quarta-feira

Governo, sociedade e espionagem à portuguesa

Vivemos um tempo histórico conturbado a todos os títulos: a sociedade globalizada foi contaminada com a possibilidade sempre latente de se desencadearem ataques terroristas transnacionais a interesses ocidentais; o poder político, mormente em Portugal, não tem sabido disciplinar a intelligence que tutela e escolher os melhores para ocuparem esses lugares especiais; a sociedade vê-se invadida pela utilização abusiva, ilegal e alegadamente criminosa daqueles serviços para espiar pessoas e sobre elas fazer relatórios que as possa comprometer no futuro. 

Enfim, é este o quadro político, social e funcional altamente patológico que domina hoje a vida pública nacional. Sem que o PM consiga "arrumar a casa", credibilizar os serviços e afastá-los de polémicas que só os descredibilizam perante a sociedade, que deviam saber proteger de ameaças (internas externas), e preservá-los perante as agências de informações internacionais congéneres com quem Portugal coopera a fim de partilhar informação com vista à prevenção da contra-espionagem, seja ela de tipo militar, económico, político, tecnológico ou outro. 

Como temos má política, uma economia inexistente e a que há está endividada até ao pescoço, a nossa indústria está sendo vendida (ex., da Cimpor) e o parque tecnológico nacional é incipiente, é natural que os terroristas não se interessem por fazer estragos em Portugal, além do risco em que incorrem no planeamento do seus actos terroristas de nos confundirem geograficamente com Espanha e errarem o alvo. O que para nós será sempre uma benção, embora não desejamos mal aos outros. Nem aos espanhóis, que hoje estão suma situação pré-portuguesa e pré-grega. 

Ou seja, o que pretendo sublinhar é que a fiscalização dos serviços secretos não pode (nem deve) ser apenas feito a partir do Parlamento, que é facilmente partidarizado nas comissões especializadas, além de haver sempre interesses pessoais (e outros!!!) que acabam por paralisar uma efectiva fiscalização aos serviços, seja na sua componente de utilização de recursos, funcionamento e finalidade estratégica. A intelligence nacional não pode servir para ajustes de contas e vendettas pessoais e entre membros maçons, políticos ressabiados, subdirectores que desejam ser promovidos na carreira mais uma infinidade de situações que prefigura a actual anarquia em que os serviços caíram, desprestigiando a sua existência, funcionamento e utilidade.

Parece que hoje o PM irá falar do tema no Parlamento, ou centrar-se apenas na polémica lamentável em torno do caso do "super-espião" e do "ministro-anão", que já é um nado-morto na política em Portugal. Trata-se, pois, dum mau precedente o ambiente em que irá desenrolar-se esse debate, pois quando se fala em intelligence deve-se fazer um debate sem este tipo alegadamente criminoso de actuações que os media exaustivamente vêem noticiando, e não sem fundamento e preocupação. 

Se houve algo que animou o ideal democrático, volvidos os quase 40 anos de ditadura - coadjuvada pela PIDE-DGS, muita dela actuando à margem do próprio conhecimento de Salazar, e das orientações deste sobre essa polícia política, foi um certo ideal de transparência e responsabilidade trazida com a Revolução dos Cravos, valores conseguidos através de um forte controlo pelo poder legislativo e executivo sobre esse tipo de serviços, e não, como hoje ocorre na sociedade, que esses mesmos serviços, ou parte deles (instrumentalizada por alguns), estejam ao serviço de interesses pessoais e de grupos empresariais que, além de incorrerem em crimes de moldura penal, atentam contra o próprio estado de direito numa democracia representativa, e isso configura crimes de Estado e de traição à pátria que deveriam ser equacionados. 

Quer no futuro debate político a ter, quer no nível de responsabilidade e de responsabilização desses agentes/analistas de informação que, por terem um estatuto ultra-especial (e uma remuneração a dobrar relativamente aos restantes funcionários superiores da administração pública) sobre eles também deveria impender um nível de accountability excepcional. O que não tem havido, até porque aquele comissão de fiscalização na AR, com a finalidade de fiscalização, nunca passou duma anedota política, e isso também é gravíssimo. 

Se há efectiva diferença entre o poder democrático do poder autocrático, que conhecemos de perto, e não foi bom, é que só aquele, através da livre e responsável crítica e da licitude de expressão dos diversos pontos de vista, pode desenvolver anticorpos no seu seio e consentir diversas formas de desocultação, especialmente quando o bem comum a ser protegido é superior aos interesses particulares e pessoais em presença, como parece ser o caso neste polémica que envolve uma perigosa promiscuidade entre um poder político fraco e desnorteado, uma maçonaria actuante e empresários e interesses neocorporativos em guerra latente pela posse do controlo e influência dos media (a privatizar) em Portugal. 

Em suma: algo está podre no reino portucalense...

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