quarta-feira

Evocação de Jürgen Habermas







Diversas razões obrigaram-me a deter sobre parte do pensamento do famoso filósofo alemão, Jürgen Habermas - que dispensa apresentações, e apesar dos seus 83 anos, está de boa saúde e ainda pensa, escreve e intervém. 

Dizia ele que fora do governo, que em Portugal é o que se sabe.., fora da igreja e da generalidade da vida doméstica - existe um espaço onde as pessoas discutem sobre a vida. Esse espaço é a esfera pública - onde as ideias são apresentadas, examinadas, discutidas e argumentadas. À partida, não há nenhuma novidade nisto, decorre dos factos e do próprio convívio democrático. Mas se correlacionarmos a articulação do autor ao peso crescente das grandes empresas (de comunicação e outras - que interferem nos media e manipulam e distorcem as notíciais) - descobrimos que o tal espaço público pode ser limitado. E porquê (?) - acrescentamos nós - por causa do "medo" que as pessoas têm ao expor as suas ideias e concepções da vida e da organização em sociedade. 

Mas, por outro lado, aquele receio de Habermas pode ser compensado com a emergência das potencialidades proporcionadas pela Internet - que obrigará a uma reformatação do tal espaço público - cujos pressupostos e condições a ciberdemocracia veio dilatar, sobretudo mediante novas configurações políticas de contornos e efeitos ainda imprevisíveis. 

A Internet, de certo modo, passou a infundir "medo" nas pessoas, especialmente nas figuras públicas que temem que algo das suas vidas seja descoberto e que isso, duma forma ou doutra, acabe por lesar a imagem pública que procuram manter intacta para continuar no poder com a mesma consistência e legitimidade sociopolitica. 

Os blogs, sites e as redes sociais vieram redefinir as regras do jogo desse velho espaço público e revelar novas interacções que produzem novos juízos que são emitidos em tempo real e circulam de forma maciça no rizoma. Neste sentido, a esfera pública tradicional sofreu um dilatamento, cresceu para cima e para os lados, provocando, simultaneamente, a implosão das velhas hierarquias nas fontes das notícias, na forma de as veicular e, acima de tudo, na capacidade de gerar opinião e racionalidade crítica em nome da discussão e da eficácia que os assuntos da polis que, a cada momento, tem que ser feito. Por seu turno, a esfera privada, ou o que lhe pertencia, tende a desaparecer, na medida em que tudo passa a ser público (pelo menos, visível - ainda que sem interesse verdadeiramente comum) perante a eclosão do ciberespaço que prossegue nesse movimento plurisecular de aumento da visibilidade das coisas e das pessoas, numa aposta que nem sempre culmina em mais transparência. 

Mas ainda que o imenso legado de Habermas não tenha acompanhado muito destes novos desenvolvimentos, o que é natural atendendo à idade do filósofo, é bom de ver, sem concessões, que há um núcleo de ideias do pensador que se mantém perfeitamente funcional nos tempos presentes. 

A argumentação, a alegação, o discurso em igualdade de circunstâncias.., todos esses dispositivos do ex-assistente de T. Adorno estão hoje presentes na vida - privada e pública - de cada um de nós, e representam valores comunicativos de sempre, e cada vez mais necessários perante as novas formas de calar os povos mediante a chantagem financeira e económica que sobre eles se exerce em resultado da recessão global que afecta, ainda que diferenciadamente, cada sociedade. 

Aliás, a lucidez de Habermas vai ao ponto de afirmar, e bem, que o único factor verdadeiramente livre é o discurso cultural, embora enquadrado pelos seus aspectos normativos. Pois mais importante do que é dito, defende o autor, tampouco o status social de quem o diz, é a conformidade  dessa mensagem enquanto declaração assente no paradigma da razão registada no momento do relato. 

O que é um apelo à intensificação da manifestação pela liberdade de expressão, especialmente num mundo onde apesar de haverem mais mapas, mais ciência, mais imagens, mais filmes, mais simulações interactivas, algumas das quais em contexto de guerra e com mortos visíveis em tempo real, nem por isso temos um mundo mais transparente, mais democrático e com mais igualdades de oportunidade e justiça entre os homens. 

Este novo conhecimento por visão directa, feito de novas galáxias que inexistiam ao tempo em que Habermas estava no "activo", não lhe tira, na essência, o valor intelectual das suas grandes contribuições para a teoria democrática e para um melhor conhecimento do que pode ser a democracia sob novas condições de relacionamento humano e institucional mediado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação e decisão estratégica.

Enfim, breves notas de gratidão intelectual que há anos prometi a mim mesmo fazer e que, hoje, por uma certa ironia do destino, o tempo e o modo me desafiou a fazer. 

Por isso, bem haja ao filósofo Jürgen Habermas pelas teorias sociais (de valor seminal) que partilhou entre nós e que tantos beneficiou. 

Habermas - Série Filósofos Contemporâneos







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