segunda-feira

O poder negativo: Portugal, Grécia, França, Espanha

A dissolução dos conflitos e das grandes rupturas sociais das últimas décadas foi em larga medida explicada pela emergência duma sociedade industrial geradora de bens de consumo que satisfez largas camadas das populações. A satisfação destas necessidades conduziu ao declínio político do refluxo dos conflitos sociais, já que as pessoas eram integradas no sistema social. Este modelo hiper-consumista estruturou sociedades do consenso, onde praticamente inexistiu o conflito social, já que a grande maioria da população estava satisfeita e integrada. Havia emprego, havia capacidade aquisitiva, as pessoas tinham projectos, tinham filhos, compravam casas, viajavam, renovavam o seu stock de roupas e assim viveram felizes durante décadas. As pessoas sonhavam. Quando este modelo económico deixou de assegurar estes bens e segurança às pessoas tudo mudou: as pessoas começam a entregar as casas aos bancos (que as hipotecaram para efeitos de concessão dos empréstimos), perdem os empregos e deixam de ter projecto de vida. 

O Poder político na Europa tem assistido a esta mudança de paradigma sem nada poder fazer, o que é um reconhecimento objectivo da sua paralisia e incapacidade. Em Portugal, na Grécia, em Espanha, em França - todos esses países enfrentam problemas mais ou menos comuns, embora com especificidades que são inerentes a cada sociedade. A França, por exemplo, tem uma grande comunidade de pessoas oriundas do Magreb por razões históricas. 

Mas o ponto que aqui procuro evidenciar é o seguinte, e faço-o de forma grosseira para abreviar: Em Espanha, em Portugal, em França, na Grécia quem, verdadeiramente, ganhou as eleições? 

Em minha opinião, não foram as oposições quem as ganhou, mas foram os vários poderes em funções quem as perdeu: Passos Coelho (manifestamente impreparado), em Portugal, só foi para o poder porque os portugueses já estavam fartos das mentiras de Sócrates, assim votaram pela negativa (e os resultados estão à vista); em Espanha assistiu-se à debacle económica, e também por erosão do partido socialista de Zapatero é que Rajoy demandou o poder (um país campeão do desemprego na Europa); na Grécia - país com a mais elevada taxa de suicídios e de Sida na Europa - ganhou a "coligação" granular que odeia as medidas impostas pela Troika; e, agora, em França também não foi Hollande que ganhou as eleições, mas foi Sarko quem as perdeu. 

Isto significa que os povos europeus exerceram o seu poder negativo para punir os governos que estavam em exercício, as pessoas votaram com ódio dos seus representantes, e serviram-se da democracia para os castigar. Curiosamente, só a justiça em Portugal é que é incapaz de castigar os malfeitores que saquearam o BPN - levando-os à justiça para os julgar, para os meter na cadeia e devolver o dinheiro que literalmente roubaram à instituição e aos clientes que confiaram nesse banco fundado por ex-cavaquistas e que serviu, inicialmente, para financiar as campanhas eleitorais do PSD. 

Neste exercício democrático todos nos esquecemos que não há nenhum plano ou mapa que mostre o novo caminho, as pessoas apenas sabem que querem mudar, só não sabem como e para onde se encaminham os seus destinos. 

Também isto é sintomático na vida comum da Europa, pois é revelador da falência da política e da constatação de que ela, apesar de ser a actividade mais nobre de todas, hoje já não está em condições de estruturar linhas de crescimento, de modernidade e de desenvolvimento no interior das sociedades e, assim, oferecer modelos de coesão social, de competitividade e de bem-estar as populações. 

Numa palavra: o poder político deixou de servir para edificar sociedades, serve apenas para dar às populações o poder negativo de que elas precisam para castigar aqueles que não cumpriram as promessas feitas em sede eleitoral. A esta luz, o poder político deixou de ser um poder positivo, criador e gerador de crescimento e de coesão social, mas um poder negativo, punitivo e castigador. 

Um poder sob a forma de martelo que, pela natureza das coisas, também não será o instrumento mais adequado para enfrentar os delicados e complexos desafios que a Europa tem pela frente. 



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