Poluição do tempo - segundo Neil Postman -
Este especialista em comunicação deve ser lembrado por muitas e boas razões, desde logo por ter sinalizado que todos somos viajantes no tempo, percorremos um trajecto do passado para o futuro, tal como os passageiros num cruzeiro que se divertem numa festa, sem, contudo, terem consciência da velocidade a que vão, que tempestades iram enfrentar, que tipo de ventos irão sofrer e a que vagas terão que se submeter. No fundo, o tempo é essa variável psicológica do devir que nunca controlamos, razão por que nos submetemos silenciosamente ao seu curso, como se o tempo, o nosso tempo, fosse também o nosso mar.
O mesmo que nunca dominamos pela incerteza permanente que comporta. Mas tal como o próprio mar, também o mar do nosso tempo pode estar poluído. Repleto de despojos acumulados pela acção humana, poluído pelos efluentes nocivos das fábricas, enfim o mar do (nosso) tempo pode intoxicar aqueles que nadam nas suas águas.
A esse propósito, Neil Postman produziu esta reflexão lapidar em - Amusing Ouservelves to Death - que aqui evocamos e espelha bem o espírito do tempo em que vivemos:
As mudanças no meio simbólico são iguais às mudanças no meio natural; a princípio, têm ambas um carácter progressivo e acumulativo, e depois, de repente, atinge-se a dimensão crítica, como dizem os físicos. Um rio que foi sendo lentamente poluído passa de repente a ser tóxico; a maioria dos peixes morre; banhar-se nele passa a ser um perigo para a saúde. Mas mesmo assim, o rio pode ter a mesma aparência e as pessoas ainda podem dar um passeio de barco nas suas águas. Por outras palavras, apesar de a vida ter sido retirada ao rio, este não desaparece, nem desaparece totalmente a utilidade que ele tem para as pessoas, mas o seu estado degradado deve ter consequências prejudiciais na paisagem circundante.
Não só dependemos dos alimentos, da água e do ar, elementos vitais. Dependemos também do elemento do "tempo" em que vivemos cuja apreensão é mais difícil, porque esse ar do tempo, essa atmosfera do tempo que inalamos diariamente influencia subtilmente o modo de funcionar do nosso corpo e da nossa mente. E é essa "poluição do tempo", por analogia à poluição dos elementos vitais, provocada pela aceleração sistemática e artificial do ritmo da nossa vida, que acaba por fechar o anel do problema em que estamos inseridos e do qual fazemos parte.
Não falo aqui dos problemas ambientais, subjacentes à citação de Postman, mas do facto mais complexo e imperceptível de não sermos observadores independentes, isentos e objectivos, indiferentes e isolados das forças sociais que integramos. Ao invés, são os próprios fenómenos que observamos que nos afectam e transformam. Somos, pois, actores e vítimas desse processo.
O processo do nosso tempo, que é o espaço onde decorrem as nossas coisas.
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