terça-feira

Putin é reeleito presidente. Democracia à russa. Um mundo à parte e a herança de Lenine


Quando pensamos na democracia pluralista, seguindo os padrões do Ocidente, que contempla partidos políticos livres e uma oposição forte, uma sociedade civil dinâmica e esclarecida, imprensa livre em que os jornalistas não sejam baleados com tiros na cabeça, sindicatos no terreno, uma verdadeira separação de poder, etc - e compulsamos essas características do rule of law com a musculatura "pidesca" que define o regime russo e, em particular, a praxis política de Putin - facilmente concluímos que aquele sistema se aproxima mais duma ditadura (disfarçada de democracia) do que dum sistema verdadeiramente democrático. Desde logo, nesta fantochada que foi a (re)eleição de Putin para a presidência, servindo-se, para o efeito, da figura pálida e consentidamente manietada de Medvedev - para que Putin atingisse plenamente os seus intentos. Ou seja, o sistema existe para servir a gula de poder de Putin e não para que os actores políticos, democratica e responsavelmente, sirvam as populações que se aperceberam há muito de que "algo está podre no reino da Dinamarca"...


Vejamos alguns aspectos que ilustram a existência dum sistema não-democrático na imensa e poderosa Rússia, antiga terra de czares e de forte despotismo em que a força e o terror eram as principais molas do poder e de gestão dos interesses correntes da ex-URSS. Seja na gestão nos assuntos domésticos, seja na gestão dos assuntos internacionais regulados pela força ou pela ameaça da sua utilização. 
Putin, desde o início do III milénio tem praticamente silenciado a oposição: limitando a liberdade de expressão dos media, eliminando, alegadamente, jornalistas, reprimindo manifestações - em nome da democracia (pasme-se!!!). Esta tem sido a prática nas muitas repúblicas, regiões e territórios "autónomos" da ainda imensa Rússia. A vantagem, neste passivo democrático no exercício do poder tem sido a diminuição da criminalidade, meteu a economia a crescer e voltou a reafirmar e a posicionar a Rússia como grande potência no concerto das nações. 
E aqui é útil recordar que foi Boris Ieltsin (1991-99) quem conseguiu devolver à Rússia o seu estatuto de grande potência petrolífera, apesar de se saber o que foi o processo de privatizações que se lhe seguiu - vendida ao desbarato aos oligarcas russos. Ou seja, o Estado - perante as avaliações de padrões internacionais das suas empresas - preferiu vendê-las ao desbarato aos oligarcas russos do que privatizá-las ao capital estrangeiro, o que seria contra-natura para um regime que se formou e se desenvolveu sob a bandeira comunista de Lenine e de Stalin.
Pavel Khodorkovskvi, oligarca russo e o homem mais rico do mundo com idade inferior a 40 anos, foi um desses oligarcas que pretendeu gerir a Yukus à moda do capitalismo ocidental, mas terminou na cadeira sob acusação de evasão fiscal e de crime económico quando, na realidade, se sabe que as suas ambições políticas colidiram com as de Putin, e foi essa incompatibilidade política (e pessoal) que ditou esse desfecho. O que é revelador da alta personalização do poder na Rússia, volvidos os tempos de Lenine e de Stalin. Alí ainda é olho por olho, dente por dente, como que a copiar as agruras do clima frio e seco das estepes da Sibéria - para cuja prisão foi mandado o oligarca que ousou desafiar publicamente Putin. 
Foi, pois, de 2000 em diante que se começou a formar a ditadura pessoal de Putin, apesar de revelar publicamente alguma diplomacia, a própria Duma/parlamento alargou o prazo do mandato presidencial de quatro para seis anos. Um mau prenúncio para o que sucedeu depois. 
No domingo passado, o mundo assistiu novamente à entronização da charada, com Medvedev a servir de capacho à enorme ambição do todo-poderoso Putin. Que transitou do lugar de PM - que ocupou neste intermezzo de 4 anos combinados e feito à medida para as suas ambições e gula de poder - para o lugar de Presidente da federação russa, como quem troca cromos e pirulitos nos intervalos do recreio da escola. O que lhe permitirá constitucionalmente fazer mais dois mandatos e, desse modo, permanecer no poder até 2024, se não morrer entretanto. 
Talvez o aspecto mais curioso nesta charada é que Putin - enquanto PM tutelou o próprio Presidente, o fantoche D. Medvedev - que nunca deixou de ser o seu secretário, uma subordinação  patente nas aparições públicas. Com a agravante de o processo eleitoral ocorrer sob uma chuva de fraude eleitoral, algumas delas mostradas em directo nas televisões em que os secretários das urnas manipulavam as cadernos eleitorais de modo a beneficiar directamente Putin e penalizando as oposições. 
É assim que Putin teceu a sua vitória eleitoral, recorrendo à fraude, à limitação do poder de expressão das oposições, à repressão nas ruas e a um dispositivo policial que utiliza para disciplinar quem se lhe opõe na sua luta pelo poder. 
Se esta professia se realizar, Putin poderá ficar no poder quase um quarto de século a mandar na Rússia, como um verdadeiro ditador, proeza só conseguida por J. Stalin que governou com braço-de-ferro entre 1924-53, quase trinta anos no poder.
O mais curioso é que quando olhamos pelo espelho retrovisor da história e verificamos que nas últimas décadas só Mikhail Gorbachev foi um presidente verdadeiramente democrático e conduziu o então império para a abertura do regime, mediante a glasnost e a perestroika (dois conceitos que ficaram mundialmente e pautaram toda a lógica discursiva nas relações com o Ocidente) foi um processo que se desenrolou entre 1985-91, ano em que Gorby foi humilhado publicamente por Yeltsin numa pura demonstração de transição de poder, - concluímos que a Rússia não mudou muito a sua natureza, ou melhor aquele imenso potentado tem uma especial predisposição para se deixar governar mais por ditadores do que por democratas. 
O que acaba por condicionar todo o quadro de relações interno - com as repúblicas - e no quadro das relações internacionais contemporâneas, com a agravante de os riscos e incertezas serem maiores do que ao tempo da Guerra Fria regulada pelo chamado duopólio nuclear. 



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