domingo

Portugal contemporâneo e Pessoa

Regressar a Pessoa é invocar a alma humana e o seu crónico fingimento na recorrente adaptação ao disfarce que pauta tão bem a representação política dos actores que têm destruído Portugal no último quarto de século deste nosso centrão que nos tem desgovernado desde 1974.
É regressar à heteronímia, qual descentralização de si que se adensa a emergência do inconsciente, com fascínio de oculto.
Entre a naúsea e a perda de qualidade de vida que esses actores políticos têm obrigado o povo português a atravessar nesta estrada de Damasco, com múltiplos erros, incompetência e gestão ruinosa da coisa pública à mistura, faz com que nos aproximemos, pela mão de Pessoa, da tal naúsea gerada hoje pela austeridade imposteira e empobrecimento estrutural a que o nosso escol dirigente tem conduzido o povo e o país.
Esta privação material e moral, agora imposta pela Troika vem reactualizar a obra de Pessoa, já que colocará aos portugueses problemas emergentes de identidade. Recriando neles, como cogumelos, novas necessidades de produzir um sentido para a vida e para a existência, sem o qual não se consegue interpretar o mundo a partir unicamente dos sentidos e das sensações que o paganismo de Alberto Caeiro nos legou pela mão de Pessoa.
Em segundo lugar, o ambiente recessivo e crísico do Portugal-político de Passos colho também esmaga os portugueses com a indiferença e cepticismo com que estes olham (desconfiados) para a classe política. O fenómeno já não é novo, vem de trás (bem de trás), mas agrava-se com Coelho, na medida em que nele se adensou tudo aquilo que se criticou em Sócrates: a mentira política institucionalizada - verificada num panfleto eleitoral logo desmentido quando o psd ganha as eleições e revela que, afinal, Passos coelho não conhecia os números do passivo em cada uma das áreas da governação, nem sequer estava preparado para a governação, daí a sua não hesitação em ter recorrido ao expediente da mentira política para prometer aquilo que sabia não poder cumprir a prazo. Eis a fase da dissimulação de Ricardo Reis que se apoderou do psd de Passos coelho - que hoje vive o dia-a-dia como se não houvesse amanhã, daí a sensação do drama da fugacidade da vida e da fatalidade da morte.
A fase de Álvaro de Campos deste governo, ou melhor deste país por força da acção deste Governo (e doutros que se lhe antecederam em abono da verdade), constata-se no decadentismo em que vivemos: um tédio, misto de cansaço, desesperança ainda que animado pela necessidade de buscar novas sensações que tirem do atoleiro em que o Portugal de cavaco, guterres, durão (santana foi um epifenómeno, por isso nem merece citação), sócrates e agora passos coelho inscreveram o Portugal contemporâneo. Que já nem energia tem para exaltar a força colectiva, fazer a apologia duma civilização emergente concebida e executada por portugueses. Ver os discursos de cavaco e Paulo portas nos EUA pedindo aos nossos emigrantes bem sucedidos que aportem ao rectângulo com novos investimentos, é entrar numa depressão ainda maior. É quase regressar ao Portugal pós-salazarento que pede agora aos seus filhos da diáspora aquilo que há 30/40 anos a pátria lhes negou. E, para esse efeito, Belém envia aos EUA o cobrador-do-fraque para entregar uns prémios aos seus filhos esquecidos, agora bem sucedidos, pedindo-lhes por favor que regressem. Eis a missão de cavaco: pedinchar investimentos áqueles a quem um dia a pátria literalmente expulsou. É deprimente assistir a tudo isto, confesso.
E é assim que Portugal hoje pauta a sua política externa, misto de sinceridade e fingimento, consciência e inconsciência, boa e má consciência, utopias, sonhos e pesadelos. Um quadro impressionista cujo ramalhete é composto por cavaco e Paulo portas, outrora inimigos viscerais, hoje reunidos no mesmo barco para pedinchar uns dólares aos emigrantes tugas que fizeram a diáspora.

Em face disto já não sei se ria, chore ou faça como fizeram Camilo, Herculano e Antero de Quental. Até porque já não existe exílio possível e o mundo já está todo descoberto nesta heteronímia que assassina a esperança de Portugal neste 1º quartel do séc. XXI.

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