Nas duas últimas semanas, os acontecimentos sucederam-se de tal forma vertiginosa que se tornou difícil sequer acompanhar a lógica da sua evolução. Mas uma coisa é certa: ninguém pode invocar surpresa na verificação do facto simples de que adicionar uma crise política à difícil situação económica e financeira do País acabaria por se traduzir numa rápida degradação das condições de financiamento quer do Estado quer dos bancos portugueses. Como várias vezes escrevi nesta coluna, uma crise política não é o epicentro das nossas dificuldades, mas o efeito catalisador do desencadear de uma crise política seria imparável. Como se viu sem surpresa!
As instituições europeias, as organizações financeiras internacionais e os mercados não olham para Portugal em função das nossas querelas políticas internas mas sim como um Estado, com o qual se relacionam e a quem pedem responsabilidades. É por isso fútil tentar explicar a degradação das condições de financiamento da nossa economia verificada após a rejeição do PEC IV e da demissão do primeiro-ministro por uma alegada falta de confiança no Governo em funções. Só que, além de fútil, é perigoso.
Com efeito, seria pura estultícia criar a convicção nos portugueses de que o "passe de mágica" da substituição do Governo seria condição para alterar as condições de acesso aos mercados financeiros internacionais por parte dos nossos agentes económicos e do próprio Estado. Basta meditar na dolorosa experiência irlandesa para o perceber sem dificuldade. De igual modo, o agravamento das condições de financiamento potenciado pela crise política vai trazer no bojo duas consequências que também não poderão ser tidas como surpresas. Por um lado, não terão viabilidade soluções "transitórias" ou "intercalares" que dissociem o acesso ao financiamento disponibilizado pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) da adopção de um programa de ajustamento da economia portuguesa que, com toda a probabilidade, irá além do que se continha no PEC IV, rejeitado no Parlamento.
Como se verá quando o compararmos com o "PEC de tipo novo" que nos será revelado dentro de semanas. Por outro lado, as condições políticas presentes em Portugal fragilizam a posição negocial do Estado português na definição desse inevitável programa de ajustamento associado ao acesso ao FEEF. Neste capítulo, o que seria uma surpresa seria que, em plena campanha eleitoral, se gerasse um consenso alargado sobre esse programa sabendo, como se sabe, que foi a rejeição do PEC IV que constituiu precisamente o pretexto para o desencadear da crise política que desembocará nas eleições de 5 de Junho...
Tal como seria uma surpresa que quem, até ao momento, pecou por omissão no desenrolar da crise acabasse por romper o seu silêncio distante e calculista e assumisse, por uma vez, a responsabilidade e o risco de criar as condições institucionais para a saída da complexa situação em que vivemos e para a qual também contribuiu a sua própria inércia. É que a legitimidade conferida pelo sufrágio universal anda de par com as responsabilidades inerentes à garantia da estabilidade e do regular funcionamento das instituições, muito em particular nas situações de emergência como aquela que vivemos!
Esperemos, pois, que a gravidade da situação seja boa conselheira para todos os protagonistas políticos. E se é verdade que as más notícias não se podem considerar verdadeiramente surpresas, será pedir demais que elas possam ser compensadas por algumas boas surpresas?
Obs: Medite-se e aproveite-se para repensar a reforma (adiada) do Estado - que também tem agravado à despesa pública que todos, seguramente, pretendemos evitar. Agora mais do que nunca.
Ver com vantagem este vídeo.
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