A Greve geral e o burro de Buridan. O nosso funeral. Evocação de Lisa Stansfield
Esta Greve geral, legítima nos seus termos, coloca uma questão filosófica interessante que evoca o célebre burro de Buridan, que foi concebido na obra de Aristóteles e depois desenvolvido pelo filósofo Buridan (na Idade medieval), e visa explicitar a razão pela qual o burro entra num indeterminado processo de indecisão quando confrontado com um balde de água e um fardo de palha. O burro estando ao mesmo tempo com muita sede e com muita fome, não sabe que decisão deve tomar em primeiro lugar, e é essa indeterminação que acaba por o matar, dado que o burro não consegue tomar uma decisão racional e estabelecer uma prioridade.
Por analogia à presente greve geral, e sem querer chamar burro aos meus concidadãos, estes, ou muitos deles, entra em semelhante processo de indeterminação mental, um pouco como ter na bolsa da escolha política a manutenção de Sócrates ou colocar no poder PPCoelho, ambos sofríveis para as expectativas que os portugueses têm em relação ao seu país e às suas vidas. Por um lado, se uma pessoa faz greve perde um dia no seu ordenado, mas solidariza-se com o conjunto dos funcionários que seguem a cartilha das centrais sindicais; se, ao invés, uma pessoa fura o bloqueio é considerado um traidor(zeco) entre a classe, quebra a solidariedade colectiva, mas não perde o dia no seu vencimento. Weber explicou bem isto, mas não vamos aqui perder-nos com ele.
Daí a questão metafísica inerente à greve geral, e que, naturalmente, tem implicações materiais para as pessoas, as empresas e o país no seu conjunto. De modo que esta greve tem de ser vista de forma multi-perspectiva, porque a realidade é sempre uma construção sociológica: os patrões, por regra são contra a greve; dos sindicatos, por regra a favor delas; as pessoas que alinham por uns e por outros, fazem-nos em função dos seus cálculos privados e alinhamentos socioprofissionais, ideológicos e até pessoais. E é assim que deve ser em democracia e num Estado de direito. Com a dona Ferreira leite, esse apêndice de Cavaco, já se sabe como se faria: vinha a ditadura e metia-se tudo na cadeia, depois governa-se assim por um semestre, findo o qual se restauraria a democracia. Regressando à vaca fria: objectivamente, esta greve ainda empobrece mais o país, tornando-o menos produtivo e menos competitivo, mas mais solidário e consciencializado nos seus direitos. Não será, certamente, por um dia de greve que Portugal entra mais pelo cano ou conquista o paraíso. Ainda assim, as organizações internacionais que hoje têm Portugal debaixo d´olho, devem estar a olhar para nós e a achar que somos todos tontinhos, incluindo o Governo - por não ter desenvolvido outras políticas públicas mais consonantes com os interesses das pessoas que hoje vivem a recibos verdes, com trabalho precário e com muitos outros segmentos da população que, seguramente, não terão as mesmas armas de combate à crise do que o BES, o "Milhénium" (como diria Big Joe Berardo), o BPI e outros grupos financeiros do país que auferem dividendos verdadeiramente escandalosos e que contrastam com a miséria paga aos assalariados.
E é aqui, quer queiramos quer não, que a voz de Anacleto Louçã se faz ouvir com milhões de décibeis, dentro e fora do parlamento, e quanto mais estas pequenas grandes injustiças na distribuição da carga fiscal e dos rendimentos se verificar na sociedade portuguesa, mais o BE sobe nas sondagens. Mas parece que os assessores do governo, muitos dos quais têm pouca ou nenhuma cultura política, alguns deles nem os queria para meus secretários, não conseguem perceber esta verdade comezinha. E como Sócrates já encetou aquele processo de levitação da realidade que o torna um alien da política nacional, ninguém hoje dentro do governo está em condições políticas e psicológicas saudáveis para ajudar o PM a sair do fosso em que colocou o país, e os mercados, as agências de notação financeiras, as OIs em geral, só ficam felizes quanto mais negro pintarem os indicadores micro e macro-económicos em Portugal.
Tudo isto somado converte esta greve geral num ensaio geral para o funeral colectivo ao qual todos nós assistimos. O que, em si, comporta um paradoxo: estamos vivos, mas, at the same time, somos os actores do nosso próprio funeral. Somos os carrascos de nós próprios com a sociedade internacional a assistir em directo ao nosso enterro. Assim, confesso, os cemitérios irão tornar-se pequenos para tanta sepultura.
Lisa Stansfield - All Around the World
Lisa Stansfield - This Is The Right Time
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