Queixas - por António Vitorino -
Como deixámos claro nestas páginas no início da crise financeira global, o facto de a resposta da comunidade internacional ter colocado o chamado G20 na primeira linha das atenções é, em si mesmo, um facto positivo.dn
Desde logo porque assinala o fim dos tempos em que o Mundo era visto, a partir do Ocidente desenvolvido, como um condomínio dos sete países mais ricos, alargado, sobretudo, por razões geostratégicas, à Rússia.
Em segundo lugar porque, quer gostemos quer não, o impacto de longo prazo da crise traduz-se numa deslocação do centro de gravidade do mundo para oriente, onde pontifica a posição da Índia e da China. Ora, se as instâncias internacionais acompanham o sentido das dinâmicas económicas, isso só pode significar a relevância de um diálogo multilateral mais inclusivo.
A União Europeia pode e deve ser creditada por um impulso decisivo na afirmação desta plataforma mais ampla e inclusiva.
Mas, como também então dissemos, sendo um avanço, o G20 não representa um mundo globalizado nas suas diferentes dimensões de desenvolvimento. Para além das economias desenvolvidas e das economias emergentes de sucesso, há mais mundo cuja voz tem de ser ouvida e que hoje não dispõe de nenhuma plataforma para o efeito. Basta pensar que do extenso (e decisivo) continente africano, no G20, apenas está representada a África do Sul...
Daí decorrem dois corolários.
Por um lado, a liderança do G20 não dispensa a necessidade de encontrar pontos de ligação com outras organizações internacionais, de âmbito sectorial e/ou regional, que se mostrem disponíveis para tal. Voltando ao exemplo africano, e recordando o que foi proposto por Portugal na Cimeira UE/África, importa trazer a este debate a União Africana e as organizações económicas regionais (com especial destaque para a SADC que congrega países da África austral). O que significa que, na estratégia europeia para o G20, esta diplomacia da persuasão com outros parceiros que não estão à mesa reveste-se de grande importância, não só para a formulação de propostas, mas também para alavancar as posições europeias, na medida em que elas correspondam a interesses mais globais.
Mas esta lógica tem um segundo corolário, que também havíamos aqui assinalado na mesma ocasião. Por muito que a crise financeira atormente o mundo desenvolvido, e a Europa em particular, uma visão inclusiva tem de ser alargada a outros temas da agenda internacional, designadamente aqueles que mais preocupam os demais parceiros do G20 e, para além deles, a generalidade dos países em vias de desenvolvimento.
Neste aspecto, foi importante que o Conselho Europeu da semana passada tenha reafirmado o seu compromisso para com os Objectivos do Milénio para 2015, num momento em que se avolumam os sinais de retracção nas transferências a título de ajuda ao desenvolvimento.
Mas, para que os europeus sejam levados a sério, é igualmente preciso que não deixem de fora deste esforço de compromisso as negociações sobre o comércio internacional, em especial com o Brasil e os países do Mercosul...
Por isso, quando neste final de semana, em Toronto, os europeus presentes na reunião do G20 se queixarem do previsível insucesso das suas (justas) propostas sobre uma taxa aplicável às instituições financeiras e sobre as transacções financeiras globais, talvez convenha perguntarem-se se terão mesmo feito tudo o que estava ao seu alcance para não terem de se queixar "dos outros"... Obs: António Vitorino chama a atenção para o Continente africano, esse espaço esquecido, o problema é que actualmente os negros da Europa ocidental inscrevem-se precisamente nesse espaço geocultural e económico. É a vingança das nações e da história ante uma UE sem rumo, poder e influência.
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