quarta-feira

A Filosofia, a Verdade. Recuperação de Camus

Há inúmeras definições de Filosofia, cada filósofo ou pensador dá a sua, em concordância com o seu sistema de conceitos e de valores e em obediência aquilo que se propõe explicar e provar.
Vejo, comesinhamente, a filosofia como um processo de captura da verdade, e nisto o Sócrates de Atenas ainda é uma referência essencial para atingir esse objectivo de descoberta da verdade com base na formulação das boas perguntas.
Se transportarmos esta concepção para o mundo político desiludimo-nos frontalmente, porque grande parte dos actores políticos não falam verdade. Nuns casos por pura ignorância, noutros porque manipulam dados a fim de mais fácilmente capturarem o poder, noutros ainda mentem de forma quase patológica. O mesmo se diga de grande parte dos agentes económicos através das contabilidades criativas disfarçadas de boa gestão ao nível empresarial, disfarces esses que servem para manipular o valor das acções das empresas e encher os bolsos aos respectivos accionistas e gestores de topo, de que a Enron, nos EUA, ao tempo do destituído W. Bush, foi um péssimo exemplo.

Pequenos exemplos em como hoje o mundo da política e da economia vivem da racionalização da mentira, porque essa tem o apoio de alguns agentes políticos e económicos que ganham com essas contabilidades criativas e os eleitorados pouco ou nada podem fazer, excepto nos períodos eleitorais, dada a democracia fraca que temos.

Portanto, a centralidade da mentira é algo importante nas nossas vidas, percorre imensas decisões pessoais e colectivas, e também o foi ao tempo de Camus, que aqui recuperamos, nem que seja para contrariar essa tendência e inverter um pouco os sinais dos tempos. O maior falhanço de uma pessoa, defendem os existencialistas - em que aquele filósofo se insere - é quando alguém vive numa mentira, quando se engana a si próprio e vive com uma má fé. O Sr. Meursault, personagem de Camus, é um herói absurdo porque, precisamente, não mente, e que O Estrangeiro espelha a história de um homem que, sem qualquer heroísmo, aceita a morte, em favor da verdade.

Sendo ou não importante esta questão da verdade, podemos aí ver sobre que é que os seres humanos deveriam aspirar, mesmo sabendo que boa parte da classe política, dos agentes económicos e sociais recorrem à mentira funcional enquanto expediente para daí extrair vantagens várias, e a ser assim essa predesposição fará do homem um ser compulsivamente mentiroso, seja para ganhar eleições e conquistar o poder, seja para manipular as contas da sua empresa, seja ainda para fins mais pessoais.

Talvez seja por isso é que o Sr. Meursault deveria ser visto como um herói do nosso tempo, porque não mente e procura introduzir alguma boa fé no complexo sistema de relações políticas, institucionais e pessoais desta nossa triste contemporaneidade.

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