Condenados a entenderem-se - por António Vitorino -
Condenados a entenderem-se, dn
Neste final de semana tem lugar o Conselho Europeu que encerra a presidência espanhola da União Europeia. A reunião ocorre num momento em que todas as atenções estão centradas na situação económica do nosso país vizinho, mas Portugal também está no radar desta atenção especial.
Pode assim dizer-se que os dois países ibéricos estão particularmente interessados em que este Conselho corresponda às expectativas.
Mas esse interesse diz também respeito a todos os demais países da União Europeia. Como foi demonstrado com a denominada "crise grega", o grau de interdependência das economias da Zona Euro indicia que a pressão sobre um dos seus países tem efeitos não apenas nos demais países que partilham a moeda comum europeia mas, de igual modo, à escala global. Uma hipotética instabilidade em Espanha teria sempre uma escala mais vasta do que a do precedente grego.
Nesta conjuntura, os líderes europeus estão condenados a entenderem-se, não apenas em nome de uma vaga solidariedade europeia mas no próprio interesse de cada um!
O desafio, contudo, não é pequeno e assume duas dimensões, distintas mas interdependentes. Por um lado, trata-se de dar sinais claros aos mercados de que a dinâmica de ajustamento das contas públicas dos Estados membros está em curso e que existe a vontade política de garantir a sustentabilidade da moeda comum europeia, através dos mecanismos necessários que garantam a solva- bilidade das dívidas soberanas dos Estados mais directamente visados (Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal e Itália).
Por outro lado, pede-se aos líderes europeus que exprimam uma visão que se eleva acima do curto prazo, de modo a encontrar soluções equilibradas que, respondendo à pressão imediata da sustentabilidade do Euro, não descure as questões de fundo da economia europeia, muito em especial o crescimento económico e a criação de empregos.
Nas duas vertentes, só haverá uma solução conseguida se ela for inclusiva, isto é, se não se limitar a acolher as preocupações de um grupo de países deixando de fora as de outros. O equilíbrio entre as várias agendas dos Estados membros será, assim, essencial para defender a credibilidade da estratégia europeia de resposta à crise financeira e económica.
O mesmo é dizer: o Conselho Europeu tanto tem de decidir sobre as regras de reforço das condições de aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, como pretende a Alemanha, como sobre a institucionalização de mecanismos de ajuda de emergência aos países em dificuldades (na senda do fundo de estabilização criado para o caso grego), bem como ainda sobre as regras de coordenação das políticas económicas dos Estados membros, especialmente os da Zona Euro.
Nesta última vertente não se pode dissociar as regras de avaliação prévia e conjunta, por parte dos Estados membros da União, das linhas de orientação dos orçamentos nacionais, tal como propôs a Comissão, da consideração dos desequilíbrios de competitividade dos países da Zona Euro, cuja projecção macroeconómica não poderá deixar de ser levada em conta na definição das Linhas de Orientação da Política Económica e do Emprego anualmente adoptadas pelo Conselho sob proposta da Comissão.
Compreende-se algum mal-estar de vários países perante tal análise prévia dos orçamentos nacionais, mas convém não esquecer que esse é o preço a pagar por poder incorporar a questão dos desequilíbrios económicos internos na Zona Euro no quadro da coordenação das políticas económicas à escala europeia. Reter as duas componentes é, pois, essencial para garantir uma solução inclusiva e equilibrada.
A tudo isto acresce que este deverá ser, também, o Conselho Europeu que exprime o consenso sobre a proposta da Comissão da denominada Agenda 2020 (a sucessora da Agenda de Lisboa), que contém as prioridades económicas e sociais da União para os próximos dez anos em termos de crescimento económico e criação de emprego. E, embora o tema corra o risco de aparecer diluído perante a pressão da crise financeira, é dele que depende sobretudo o futuro do modelo social europeu!
Obs: Seria útil que a "receita" aqui descrita fosse transposta para a realidade socioeconómica dos Estados da UE, e que entre o sistema de pensamento e a praxis política não houvesse uma barreira intransponível que tudo paralisa. Todavia, hoje os cada vez mais "países irmãos" Portugal e Espanha, na medida em que têm mais interesses em comum do que interesses divergentes, devem meditar na paralisia que a Comissão Europeia representou no caso arrastado do apoio à Grécia. O que só revelou incapacidade de liderança e de decisão da Comissão, vulnerabilizando o espaço económico e monetário europeu aos ataques dos investidores especulativos, geradores duma economia de casino parida com o Consenso de Washington que urge aplacar. Isso exige não o velho directório da Europa dos grandes, mas uma UE em que cada país tem um peso específico na formulação das políticas comunitárias, especialmente ao nível do emprego, da formação e da qualificação das pessoas. De preferência, contribuindo para que a Agenda 2020 seja mais realista do que a Agenda de Lisboa, um texto admirável mas com muitas metas ainda por cumprir. A distância que hoje se detecta entre o proclamado e o realizado dita bem as condições da taxa de execução dos programas políticos por parte dos governos dos Estados, e se formos sérios constatamos que essa taxa de execução é francamente baixa, daí os graves problemas sociais que hoje inunda o espaço intra-societário. O que deixa a Europa em grande desvantagem social, económica e política relativamente à Ásia e aos EUA - com quem tem de competir.
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