Madeira: a sociedade do medo e da insegurança
Hotel-Savoy da Madeira. O governo duma ilha deve ir além da construção de equipamentos para a classe A - que integra os turistas ricos do Norte da Europa. Hoje o choque com a realidade é dramático e os seus efeitos são trágicos. Haverá que apurar responsabilidades.
Sociedade da incerteza e do medo O fim da Guerra Fria e a queda do lastimável Muro de Berlim em lugar de nos trazer um clima de paz e tranquilidade importou para a arena internacional um ambiente de incerteza, risco, perigo e medo. Esta comezinha constatação permite-nos aferir que vivemos numa sociedade – e numa época - de medo – que é como o Toyota, veio para ficar, conforme o slogan da marca. O dilúvio na Madeira representa várias dessas dimensões da sociedade do risco e do medo que se instalou entre nós. Por um lado, porque quando as forças da natureza se combinam entre si a força do homem e da tecnologia para aplacar os seus efeitos são praticamente nulos; por outro lado, a Madeira e os madeirenses estão hoje a pagar décadas de negligência em obras de recuperação e manutenção ao nível do saneamento, esgotos e demais infra-estruturas de apoio que têm reiteradamente vindo a ser secundarizadas em favor das chamadas obras de fachada, que só valorizam certas camadas da população, a classe A, e, naturalmente, o turista rico do Norte da Europa que demanda a ilha a fim de usufruir as suas belezas naturais e o seu microclima. Não são, de facto, os madeirenses que usufruem das suas belezas naturais nem dos seus equipamentos, toda a política de turismo gizada pelo presidente vitalício da Madeira está orientada para o turista rico do Norte da Europa. É como se Al berto João jardim entendesse que os seus concidadãos fossem uns "cubanos" como gosta de proclamar relativamente a terceiros, e só os turistas ricos pudessem ter acesso às coisas boas da ilha. Eis a política de turismo (e de planeamento regional) do democrata mais anti-democrata do país, prisioneiro que está no seu próprio paradoxo e já com o pesar nos ombros de dezenas de vítimas. Não deve ser uma experiência agradável de se suportar. Em rigor, os milhões de euros – provenientes do continente e da União Europeia - geridos pelo presidente vitalício do Governo regional da Madeira – têm sido orientados para aquelas obras de fachada, algumas delas essenciais às comunicações, mas isso tem sido feito com grande desrespeito das chamadas obras invisíveis na rede subterrânea que hoje, se estivessem modernizadas, permitiram uma maior vasão dos caudais que acabaram por destruir habitações e matar pessoas. Esta política de aparente modernização turística e de desenvolvimento regional – para "inglês ver" – deve ser publicamente denunciada e, consequentemente, imputar as devidas responsabilidades ao referido presidente vitalício que tem gerido a ilha como se do seu quintal se tratasse. Isto é não só lamentável como inaceitável. O terrorismo, a crise e a recessão económicas, o degelo e o efeito de estufa – cujos efeitos devastadores nos planos social, empresarial e ambiental – representam outras das dimensões que fazem da sociedade em que vivemos um espaço global exposto ao risco e à destruição. Isto entronca com uma reflexão de Carlinhos Marx proferida no séc. XIX quando afirmava que, num sentido inesperado, os fenómenos significativos ocorrem duas vezes na história: da primeira vez, aparecem como tragédia; da segunda, como comédia. Se bem que os danos físicos e as perdas humanas nada tenham de comédia, mas o que é facto é que o homem hoje está completamente exposto a esse duplo perigo: económico e social, por um lado, e ao perigo de tipo ambiental/natural, por outro e cujas consequências são de mais complexa previsão e resolução, ainda que se possa fazer algo em matéria de prevenção. Basta que, para o efeito, se adequem as necessárias políticas públicas às necessidades do território e da gestão correcta e racional dos recursos naturais, que é coisa que Alberto João jardim, negligentemente, não fez na Madeira. E o que é mais curioso, com o devido respeito pelas pessoas e famílias enlutadas, é que é por razões de ordem natural – e não de natureza sociopolítica – é que este tipo de negligência política hoje se põe a nu, ante a dureza trágica dos factos, alguns dos quais irreparáveis. Por outro lado, o homem nunca viveu uma numa sociedade tão segura, mas isso também não cria um crescimento proporcional de segurança, gerando antes uma clima de insegurança. E é nesse paradoxo que hoje todos vivemos: por um lado, nunca tivemos tantos meios e equipamentos e tecnologia para fazer face às zangas da Natureza, por outro lado, nunca como hoje tivemos tanto medo dos infortúnios e azares da vida. E se assim é, acaba por ser a variável “medo” que se impõe, em detrimento da esperança num futuro melhor. Desde o aparecimento do homem que as sucessivas civilizações equacionaram as ameaças e os riscos, seja por via da intuição e do pressentimento, seja pela via racional e das tecnologias que criámos para lhes fazer face, e, hoje, mitigada com a crise económico-financeira e social, somos todos confrontados – seja na Madeira ou no Haiti – e salvaguardas as devidas diferenças, com o abismo que circundam as frágeis condições que não só tematizam a nossa existência como, de súbito, uma pessoa, uma família ou famílias inteiras estão dormindo ou simplesmente descansado em suas próprias casas – e segundos depois tudo isso se reduz a escombros. Por isso o povo da Madeira merece todo o apoio possível nesta hora difícil, circunstância que nos deverá tornar mais humildes face à vida e às condições da existência, tanto mais que as sociedades complexas da nossa contemporaneidade se distinguem umas das outras pela forma como percebem, pensam e planificam as suas próprias vulnerabilidades, riscos, ameaças e inseguranças e pelas correspondentes estratégias para lhes responder em tempo útil, tendo sempre como prioridade salvar vidas humanas em perigo. Coisa que o Al berto joão jardim não conseguiu fazer. E porque nada disto foi integrado na equação das políticas públicas - locais e regionais – do Governo daquele presidente vitalício da ilha, num sinal claro de violação à rotatividade democrática na Madeira, que aquele deverá ser politicamente responsabilizado por esta tragédia que se abateu sobre aquelas pessoas, bens e infra-estruturas. Governar uma ilha dotada de recursos naturais paradisíacos não deve ser apenas um exercício narcísico e egocêntrico centrado em meia dúzia de infra-estruturas de apoio ao turismo regional, é muito mais do que isso. E como esse trabalho de “formiga” e de planeamento foi inteiramente descurado por aquele responsável, o desastre humano também assume as proporções lastimáveis que já conhecemos, ainda que a contabilidade das perdas humanas e materiais, lamentavelmente, ainda esteja longe de estar fechado.
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