segunda-feira

Hoje é [mais] difícil governar

As actuais condições políticas já pouco têm a ver com as clivagens e os conflitos do passado. Se os velhos problemas estavam ancorados nas condições de cultura política do passado ligadas ao Estado nacional, hoje esse mesmo Estado nacional aparece integrado nos grandes espaços económicos e o processo gerador das clivagens emergentes surge com a própria crise do Estado nacional. É, pois, uma pescadinha de rabo na boca.
Mesmo que as novas clivagens políticas ainda não criem novas famílias partidárias, aparecem formas dispersas que dão azo a que coligações espontâneas apareçam, e polarizem a unidade dos partidos por dentro.
Este processo confronta o poder governamental na sua própria composição e, directa ou indirectamente, mina a sua direcção e dificulta a sua acção política diária. Ou seja, cada formação partidária ou fórmula governamental tem diversas correntes de orientação no seu seio, umas mais vocacionadas para o passado (ex: Alegre) e outras mais voltadas para o futuro (Sócrates). E é nesta onda de choque que o PS de Sócrates, só para dar um exemplo comezinho, está hoje confrontado com a decisão a tomar relativamente a quem apoiar para Belém, para além do common sense de ainda estarmos a um ano das eleições presidenciais. Um péssimo precedente na história das eleições democráticas em Portugal.
Por outro lado, os referenciais de futuro têm escasso potencial eleitoral, as referências do passado oferecem uma base de apoio eleitoral de tipo afectivo, romântico ou geracional não negligenciável.
De um lado, temos os valores da ordem, da segurança e da estabilidade, do outro encontramos o movimento, a inovação, a competição e o risco. Estes valores orientam-se para o futuro mas ainda não podem responder às interrogações e ansiedade das novas gerações; aqueles valores, ao invés, são dados adquiridos do passado que se inserem no velho esquema da gestão dos equilíbrios sociais internos.
Ora, cada um dos lados destas clivagens tende a bloquear o outro, paralisando-o. E assim o peso dos que estão entalados no passado impede a progressão dos que aceitam o desafio do futuro. Embora o anúncio daquilo que se suspeita seja o futuro reforça a resistência dos que não querem esse destino e preferem preservar o que conhecem.
Por isso hoje Portugal está bloqueado, e a candidatura do poeta Alegre é, entre muitos outros vectores, um nó górdio que entope o sistema de decisão política impedindo, desse modo, a mudança das estruturas sociais e económicas do país para índices de desenvolvimento mais interessantes.
No fundo, Portugal vegeta hoje em busca daquilo que não encontra, e o que deveria encontrar eram centros estratégicos que respondessem às questões colocadas pela mudança: nas finanças, na economia, na sociedade e no ambiente. Até porque Portugal já há uns anos que não é uma sociedade fechada no seu território nacional, ela é hoje um espaço aberto mas que ainda é pouco competitivo no espaço global, e isso só nos vulnerabiliza.
O tema do financiamento das políticas públicas, incluindo os procedimentos da gestão orçamental gera uma clivagem que tem a mesma designação – no passado e no presente – e que nos coloca entre o dilema do endividamento (a ex. do TGV) para as gerações vindouras; e a fiscalidade cujas despesas são assumidas pelas gerações presentes que beneficiam dessas políticas.
Este dilema também nos bloqueia, e um país que nem sequer é capaz de se pôr de acordo quanto a um projecto dessa nataureza, muito mais importante do que saber se o partido A ou B apoia o poeta Alegre, é um país que ainda não percebeu que modelo de desenvolvimento deseja para Portugal.
E isso não é bom.