Fernando Nobre ainda será o "Obama" português...
Nobre faz tremer Bloco que Alegre passou três anos a unir
BE deu apoio ao poeta socialista, mas há militantes a preferir o independente. Figuras bloquistas esperam para ver.
dn
Manuel Alegre ou Fernando Nobre? A resposta só tem de ser dada daqui a um ano, nas urnas. Mas a pergunta está a dar que pensar e a dividir os militantes bloquistas.
Em Janeiro, o BE colocou-se ao lado de Alegre. Só que a entrada de Nobre na corrida a Belém baralhou as contas. Fugindo sempre à palavra "precipitação", vários dirigentes bloquistas têm admitido que as presidenciais ainda "pouco têm de definitivo".
Os apoiantes de Nobre reflectem uma "opinião que existe no meu espaço político e que não deve ser estigmatizada", escreveu o eurodeputado Miguel Portas, num texto publicado no Facebook em que reitera a posição do BE.
Mais à frente, deixou um aviso a Alegre: "Entre o dia de hoje e o do voto muita água correrá debaixo da ponte. Todos acabaremos por votar em função do modo como cada candidato for interpretando a vertiginosa velocidade em que as diferentes crise se estão a movimentar em Portugal."
Rui Tavares, o independente eleito eurodeputado na lista do BE, ainda não deu o apoio a qualquer candidato. Tavares recusou comentar a posição do Bloco mas disse ao DN que "quer ouvir o que os dois candidatos têm a dizer".
Nobre foi mandatário do BE às europeias. "As causas do BE são também as minhas causas", sublinhou, na altura. Embora se tenha apresentado como um cidadão que não fica nem à esquerda nem à direita, é consensual que Nobre vai disputar o eleitorado de Alegre.
Entre os bloquistas, há quem condene o socialista por não romper com José Sócrates com medo de estar a alienar o apoio do PS nas presidenciais. Para outros, é a figura de Fernando Nobre que os leva a não seguir o partido.
Ao DN, a deputada Ana Drago admitiu que "Nobre é admirado por tanta gente, que haverá quem não o coloque imediatamente de fora". Mas recusou a ideia que o BE se tenha "precipitado" a apoiar Alegre. "Fizemos um longo caminho nos últimos três anos de debate e reflexão com Manuel Alegre [debate da Trindade e fórum das esquerdas, na Aula Magna] e concordamos na avaliação crítica do Governo," explicou a bloquista.
Ana Drago lembrou que o BE, na sua Convenção, decidiu apoiar uma candidatura crítica que pudesse unir a esquerda contra o bloco conservador que deve apoiar a recandidatura de Cavaco Silva. Reconhecendo que ainda se está "muito no início", a deputada disse não acreditar que Nobre tenha a capacidade de união de Alegre.
Drago admitiu duvidar do sentido de haver duas candidaturas à esquerda, mas descartou a hipótese de apelar à desistência de qualquer deles. Nobre já deixou claro que não lhe daria ouvidos, frisando que a sua candidatura é "um combate pessoal" para "levar às últimas consequências".
Obs: Para quem está desavindo com a influência excessiva das máquinas partidárias no sistema político em Portugal, a candidatura "virgem" de Fenando Nobre é uma pedra no charco desta nossa partidocracia, ainda que se possa pensar que Mário Soares possa ter tido alguma influência de bastidores no lançamento de Nobre a Belém.
Mas ainda que essa conexão tenha algum fundamento, Nobre tem um capital simbólico na sociedade portuguesa de tal modo grande, que essa eventual ligação ficará dissolvido na sua actividade como médico sem fronteiras, como benemérito planetário, como salvador de vidas, enfim, como um verdadeiro membro oriundo da sociedade civil que deseja ter uma voz activa nos negócios públicos do seu país.
Este capital simbólico acumulado vai, naturalmente, muito além das alegadas influências que os rivais de Alegre, como é objectivamente Mário Soares, e terão um peso social e político específico na candidatura de Nobre a Belém. Portanto, Nobre é suficientemente grande para poder falar por si, sem amarras como por vezes se afirma.
De resto, tenho para mim, dadas as discordâncias que os nomes de Cavaco e Alegre geram em milhões de portugueses que não se revêem num e noutro, que Nobre, dada a sua notoriedade e cosmopolitismo consegue converter o seu capital simbólico, enquanto médico sem fronteiras e fundador da AMI, a maior ONG do país, em capital político traduzido em votos, coisa que Alegre jamais conseguirá fazer - quando se evoca o seu milhão de votos nas últimas eleições presidenciais - que hoje só muito dificilmente serão racionalizados na sua campanha.
Neste contexto social e político em emergência altamente específico, porque a partidocracia sempre tomou conta dos candidatos ao poder em Portugal, é de grande interesse ver um civilista - como Fernando Nobre - ainda que seja um homem estrutural e ideológicamente de esquerda - lançar a sua candidatura a Belém e contando apenas com os apoios que irá recolher na sociedade civil.
Mesmo que na reta final da campanha Mário Soares faça as suas habituais aparições públicas ao lado de Nobre (até para mostrar que está politicamente vivo, como fez apoiando Socas), será sempre o médico sem fronteiras que assumirá o activo da sua campanha, assim como o capital simbólico e a credibilidade junto dos portugueses - que Alegre não tem e Cavaco deseja recuperar através da desgraça da Madeira. Todas essas condições fazem de Nobre um virtual vencedor, um candidato da sociedade profunda contra o aparelho de Estado - de que o deputado e poeta Alegre nunca se conseguirá desvincular e Cavaco dissociar - e essa variável representará uma razão de peso que só poderá empurrar Fernando Nobre mais depressa para a vitória.
Sendo que a sua capacidade de gestão e de iniciativa política, transferindo dez mil contos para auxiliar os madeierenses é, já, um sinal da graça de Nobre, que se antecipou a Cavaco e ao pobre poeta que nenhuma ideia tem para Portugal. Neste contexto social, político e moral altamente inovador em Portugal, não me surpreenderia que Fernando Nobre representasse em Portugal um pouco da audácia e da esperança que Barack Obama desempenhou nos EUA, com os resultados que todos nós conhecemos. Nesta linha, Fernando Nobre será, potencialmente, o nosso Obama branco...
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