domingo

A política da mentira política em Cavaco

A mentira política é, como já vimos abaixo, uma componente essencial da acção política e Cavaco, na qualidade de PR, tem usado e abusado, ou melhor usurpado das suas funções para se promover institucionalmente e, desse modo, atingir mais eficazmente os seus objectivos políticos. Desta feita tenciona condecorar um agente político que só desgovernou o país deixando-o ainda pior, seja no plano das suas contas públicas seja na esfera da autoridade do Estado.
De modo que a condecoração de Cavaco a santana Lopes só pode (e deve) ser encarada como uma distorção na relação entre agentes políticos, cuja relação é suportada (e legitimada) por uma autoridade: a Presidência da República.
Quem mente, como cavaco, para atingir o poder sabe que vai usar esse mesmo poder para realizar a tal política da mentira política, forma extremada e perversa de seduzir aqueles que promove, a tal "má moeda" e, ao mesmo tempo, ficar bem na fotomaton da opinião pública.
Ninguém entendeu esta decisão de Cavaco, ela não colhe fundamento em nenhuma razão de Estado, de sociedade, de economia ou até de common sense, apenas decorre da ambição política de Cavaco em fazer-se reeleger para Belém, razão por que recorre à ciência da mais ampla usança em política - que é a arte do fingimento, como diria Baltasar Gracian.
Já na República de Platão a questão da mentira política se colocava, de igual modo a questão recolocou-se em O Príncipe de Maquiavel: dever-se-á, para seu bem, esconder a verdade ao povo, enganá-lo com vista à sua salvação?
A arte da mentira política é de facto a arte de fazer crer ao povo falsidades salutares, com determinado bom fim: cavaco deseja, de novo, ser PR, razão por que pretende chamar para o seu regaço político mais uma pequena força de resistência que é santana Lopes, o pior PM após o 25 de Abril e que, por essa razão, deveria indemnizar os portugueses e não receber deles, indevidamente, uma condecoração cuja oferenda é assegurada por cavaco silva.
Esta atitude de Cavaco revela bem o respeito que ele nutre pelo povo que supostamente representa, já que ao desrespeitar a verdade ele crê que o povo nenhum direito tem à verdade política, tal como não deverá possuir bens, ou elevados rendimentos, terras ou mesmo acções da SLN que não sendo cotadas em bolsa foram vendidas acima do preço de mercado, constituindo uma outra ilegalidade. Cavaco entende, pois, que a verdade é propriedade privada e só um gentelman, como defendia Disraeli, sabe quando convém dizer a verdade e quando convirá calá-la ou mascará-la.
Contudo, este tipo de mentira política, ao condecorar aquele que na véspera se designou de incompetente político e de má moeda no sistema político, além de revelar uma completa falta de carácter e de espinha dorsal ético-política, denuncia também uma nova fórmula de mentira que remete para o que se passa no interior do partido a que ambos pertencem: o PSD. Será, nesse caso, uma mentira entre dirigentes - presentes e pretéritos - veiculada no interior do mesmo partido (que também poderia ser o PS ou PCP), aqui o que ressalta é o mesmo fim a que cada um interessa, reforçando a posição de ambos na actual correlação de forças: Cavaco arregimenta mais umas centenas de santanistas, santana faz as pazes com aquele que sempre o desprezou, pois Cavaco nunca permitiu que Santana fosse além de secretário de Estado. E Santana, por seu turno, sublinhava bem que prestava tributo a Sá carneiro e não a Cavaco na lógica das fidelidades ideológico-partidárias.
Mas se ambos querem, de facto, atingir os respectivos fins (Cavaco ser reeleito e Santana receber um certificado de garantia político do actual PR) ambos devem querer ser enganados, pois é desta voluntária mentira que emana o núcleo gerador da patologia política que Cavaco, sobretudo através do affair Fernando Lima, dinamizou em Portugal.
Neste concreto contexto pré-eleitoral, em que Cavaco e santana há muito deixaram de ser rivais, a mentira política - entre pessoas que sempre se detestaram - perde automaticamente o seu efeito nocivo, pois Cavaco sabe o que quer, e santana não se opõe a esse desejo político que cavaco quer consumar em 2011. Daí cavaco ter escolhido santana para se purificar através duma mentira que já não encerra efeito nocivo. De certo modo, Cavaco vê o seu auto-retrato nesta condecoração (artificial) a Santana, basta que Cavaco esqueça o que disse dele denegando a realidade e, doravante, o promova a "boa moeda".
Em rigor, Cavaco sabe que toda a gente mente: os ministros enganam o povo para o governarem, e para se livrar de ministros indesejáveis basta por a circular boatos caluniosos e rumores embusteiros, mas nunca tínhamos chegado a este nível (e intensidade) de falsificação política como cavaco apresenta nesta condecoração ao pior PM após o 25 de Abril.
Por isso, somos levados a crer que Cavaco exerce o seu magistério recorrendo, sempre que necessário, a esse expediente da mentira política, cuja tipologia se apresenta de forma tripartida: 1) a mentira por calúnia a fim de diminuir os méritos do adversário (eis o que Fernando Lima tentou fazer com Sócrates ao infirmar que o PM expiava o PR); 2) a mentira por adição aumentando os defeitos do seu visado; 3) e a mentira por transladação - socorrendo-se neste caso do pobre Santana (por efeito de condecoração, metendo-o no "bolso político") para converter a "má moeda" na "boa moeda" e, assim, por obra e graça do espírito santo - ver mérito e competência onde antes via perversão, incompetência e instabilização.
Com decisões deste quilate Cavaco está a criar um outro precedente na sociedade portuguesa: tornar a mentira obrigatória e ter um curso liberal pleno, como a moeda, o que pode, a prazo, suscitar a institucionalização em Portugal duma sociedade de mentirosos imperturbáveis que mintam por todos os poros e façam da mentira um valor e um princípio de vida. Um modo de vida.
O mais curioso é que seja o PR em funções o doutrinador desta teoria. Pergunto-me com agentes políticos que operam a este nível ético-político - como é possível pedir aos portugueses que acreditem no futuro em nome dum Portugal moderno e mais desenvolvido?!
Lamentavelmente, aquilo que hoje é mais visível no sistema político nacional é a arte da mentira, cuja finalidade é convencer o povo em crer em falsidades salutares, e isso tem um determinado bom fim: Cavaco, o condecorador - ganhar mais umas centenas de votinhos santanistas; o condecorado recebe um certificado de garantia do PR que sempre o desprezou políticamente, o que não deixa de ser uma tremenda promoção para Santana - além de o reconciliar com o seu ex-PM - que fez dele secretário de Estado da Cultura.
A mentira, na prática, é tão assumida quanto desejada por ambas as partes.
Esperemos, doravante, que no dia 10 de Junho Cavaco não proponha Saramago para cônsul honorário em Timor leste sob pretexto de mais outra mentira, neste caso dizendo que se trata dum escritor extraordinário que até conhece aquilo que o PR desconhece: Os Lusíadas.

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