sexta-feira

Previsões e realidades - por António Vitorino -

Sejamos claros: se a agência em causa estiver tão certa nesta previsão como as suas congéneres estiveram ao qualificarem, com a notação máxima de confiança, os activos do banco inglês Northern Rock… na semana anterior à sua falência, então sempre poderíamos dizer que nós, portugueses, não teríamos muitas razões para estar preocupados com tão lúgubre previsão agora divulgada. Contudo, as razões que fundamentam a intervenção da agência em causa não podem deixar de ser devidamente ponderadas, quer porque nos seus elementos essenciais convergem com as fragilidades da economia portuguesa assinaladas no relatório de Inverno do Banco de Portugal quer porque nenhum Estado pode subestimar o impacto que as notações dessas agências têm na inserção das respectivas economias no mercado global em que vivemos.
Vigora, pois, o princípio de que há que jogar o jogo de acordo com as respectivas regras, enquanto essas regras não forem alteradas. Mas não se pode deixar passar em claro que aqueles que podiam mudar as regras, quando tiveram ocasião de o fazer, não actuaram de molde a reforçar a credibilidade e a isenção das agências de rating, entidades privadas cujo financiamento e forma de actuação deixam muito a desejar no plano da responsabilidade e da independência dos seus julgamentos.
Dito isto, a circunstância de estes avisos e de estas pressões sobre as autoridades portuguesas identificarem o nosso país com o que se passa na Grécia é, sem dúvida, uma atitude abusiva, mas cujo efeito junto dos mercados financeiros não pode ser subestimado. Com efeito, quer na identificação das realidades financeiras e orçamentais transactas quer na dimensão do défice orçamental actual, os dois casos não são comparáveis como bem sabe a Comissão Europeia, que por várias vezes pôs em causa as contas gregas (muito em especial naquele período em que as despesas militares foram pura e simplesmente subtraídas do défice para viabilizar a entrada na Zona Euro), o que não sucedeu com as contas portuguesas.
Mas, a partir do momento em que se cria este ambiente envolvente, isso significa que o orçamento que vier a ser aprovado na Assembleia da República nos próximos dois meses vai estar sujeito a um escrutínio muito intenso, sendo que da sua sustentabilidade dependerá a avaliação que estas famigeradas agências de rating virão a fazer no curto prazo, avaliação com impacto sobre o custo dos juros da nossa dívida, tanto da pública como da privada.
A melhor maneira de responder a esta pressão será de não apenas apresentar um orçamento anual que contenha já sinais sobre o sentido do ajustamento do défice orçamental estrutural mas apresentar, ao mesmo tempo, um quadro de consolidação das contas públicas a médio prazo, no horizonte de quatro ou cinco anos, que sirva de base da negociação do Programa de Estabilidade com a Comissão Europeia e que desfrute de um apoio político alargado que o coloque ao abrigo do espectro de uma qualquer eventual crise política.
Obs: Um dos problemas das agências de rating, quais "notários" que certificam (ou não) o potencial económico dum país, são, por regra, mais pessimistas do que as avaliações feitas pelos próprios investidores quando analisam o risco em investir na nossa economia e, claro, na solidez e fiabilidade das nossas instituições financeiras. O problema agrava-se quando, de facto, essas agências de rating, como a Standar & Poor's e a Moody's adoptam uma duplicidade de critérios para avaliar o potencial das economias e até de as comparar entre si. Logo, quando pedimos de empréstimo dinheiro ao estrangeiro (mediante emissão de dívida pública) ou quando os nossos bancos pretendem ter acesso aos financiamentos bancários de instituições financeiras internacionais - lá estão os "novos notários" a determinar o custo desse endividamento internacional e os seus reflexos na vida das empresas, das famílias e das pessoas.
Portanto, se os "notários modernos" dizem que a nossa economia tem a cotação política do PR (baixa), ou se Portugal tem que se endividar sobremaneira ao exterior por causa do seu gravoso défice externo - passamos a não ter ninguém que diga bem de Portugal abroad, e a consequência imediata disso é não só o dinheiro ficar mais caro como também a rarefação do acesso a esse capital.
O ponto é que essas agências de rating falharam em toda a linha no diagnóstico que fizeram da evolução da economia internacional, tornaram-se pouco fiáveis. Mas nem por isso deixam de se apresentar, com muita culpa dos governos e das suas instâncias e autoridades económicas internacionais nas OIs, como vigilantes instaladas na sua torre de marfim, e em baixo - os vigiados, na cela, que somos todos nós, daí esta questão da fiabilidade das agências de rating nos nossos dias me evocar a questão última acerca de quem vigia as relações do Estado, ou de teoria do Estado e que se poder traduzir assim: Qui custodiet custodes - Quem vigia o vigilante!?
Na formulação de António Vitorino, que aqui não deixa de "partir o dedo à realidade destes novos-notários do regimen internacional, a questão a saber é quem vigia o vigilante? - Quis custodiet custodes?
Ou seja, quem vigia e certifica essas agências de rating!?