segunda-feira

A birra entre Belém e S. Bento, o amuo entre Cavaco e Sócrates. Um retrato do país nesta democracia decadente

Sócrates desfila frente a Cavaco, que joga os olhos para o chão revelando todo o desprezo institucional possível relativamente a S. Bento. O contrário seria plausível neste jogo de desprezo politico-institucional recíproco.
A Democracia d’hoje, os planos d’ amanhã!!! Alguém os conhece?
A recente birra entre Belém e S. Bento cujos protagonistas são Cavaco e Sócrates revela bem quão infantil é ainda o nosso regime democrático e quão imbecil é a natureza das relações de poder entre os nossos principais órgãos de soberania, com Jaime Gama utilizando discursos balofos para tentar por panos quentes entre a intrigalhada que rodeia aquelas relações políticas já em ambiente de pré-eleições presidenciais.
Cavaco amua com Sócrates porque este não comparece a uma reunião e faz-se representar por um ministro de Estado; Sócrates qualifica de "intriga mesquinha" o desagrado de Cavaco, de modo que aqueles que supostamente deveriam dar de si ao país uma imagem e um exemplo de responsabilidade e de maturidade políticas são, precisamente, os actores que reflectem animosidades de jovens em plena puberdade que, regra geral, são sempre "escravos" do pulular das hormonas que desencadeiam comportamentos atípicos senão mesmo desviantes. Aqui com a desvantagem de se tratar dos principais actores políticos que ocupam o vértice do aparelho de Estado. Isto é lamentável.
Qualquer E.T. que, de súbito, caísse em Portugal e constatasse estas condutas por parte de Belém e de S. Bento, perguntar-se-ía se Portugal, doravante, passou a ser governado por crianças ou adolescentes na fase da puberdade.
Mas esta relação frágil revela, por outro lado, a democracia que temos em Portugal. Porque a vontade autêntica do povo é a dos homens das fábricas, das empresas, das ruas, dos campos e das cidades, das oficinas e das universidades. Esses são os votos populares, os mesmos que se interrogam acerca do que vale o ridículo daquela relação Belém-S.Bento?!
Ora, aqueles dois actores sabem, ou deveriam saber, que os votos encontram-se naqueles patamares sociológicos, é aí que é necessário conquistar o poder através da “fábrica” de procedimentos que responde pelo nome de democracia pluralista que temos em Portugal. Logo, é necessário conquistá-la para depois a impor aos poderes públicos, às elites e demais circuitos reservados do poder que, por regra, nunca perde os privilégios e é amante do statu quo.
A birra supra-referida revela, por outro lado, que o povo vê com desagrado e desgaste que os dois principais responsáveis políticos do país se ataquem por interpostas pessoas enquanto que o desemprego aumenta, a actividade empresarial é devastada, o investimento directo estrangeiro não vem, enfim, as condições de vida dos portugueses tende a piorar de forma progressiva e Portugal, na contabilidade geral dos seus indicadores socioeconómicos, tende a afastar-se da média de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia, apesar da crise hoje ser global, embora atinga de forma diferenciada os países.
Nesse contexto problemático, aquela birra entre Cavaco e Sócrates constitui já um insulto aos portugueses, que se agrava no Natal, período em que seria suposto reinar alguma concórdia entre as pessoas e as instituições.
Mas quando nos perguntamos que ideia temos acerca da política portuguesa em matéria de lusofonia, não temos resposta; quanto às demais políticas sectoriais (defesa, agricultura, economia, saúde, educação, finanças, ambiente e o mais) são políticas sem novidade cujas condições são fixadas por Bruxelas. Neste sentido, Portugal não tem criatividade política, e o seu experimentalismo social reduz-se às imposições burocráticas de Bruxelas.
A esta luz, a realização de uma grande ideia para Portugal, de um grande desígnio não se consegue detectar, nem à lupa. Fazemos mal aquilo que todos os outros povos já fazem menos mal na Europa. Daí a ideia de que o povo só governa de forma aparente, porque, na prática, essa grande ideia, esse desígnio esbate-se por detrás da determinação da sua necessidade – cuja substância se desconhece.
O que se conhece, de facto, são os contornos da birra (infantil, como, de resto, são todas as birras) entre Belém e S. Bento, e depois vemos esses dois actores apertarem a mão, conversarem no espaço público como se a hipocrisia e o cinismo fossem as regras de conduta e os valores sociais que o PR e o PM defendem para o país. Ora, no domínio dos valores e da ética, isto também é profundamente lamentável e censurável e constitui um mau precedente para a nossa cultura democrática que deve nortear-se por outros valores, atitudes e comportamentos.
Não podemos proclamar as moralidades públicas e depois ser fautores de vícios privados, como demonstrou Eça no seu mais potente romance político: O Conde d’ Abranhos. Talvez não fosse má ideia, até para incutir alguma cultura geral ao nosso escol político, que é manifestamente paupérrimo, oferecer-lhes pelo Natal um desses exemplares do nosso genial Eça de Queirós, talvez numa versão de BD dado sabermos que o PR é pouco dado às “letras” e como há anos revelou desconhecer a obra de Camões não surpreende revelar a majestade da sua ignorância em matéria de Eça. Enfim, é o que temos no aparelho de Estado que dispensa biblioteca, como diria Fernando Pessoa noutro contexto.
Como resultado de toda esta birra institucional em conexto pré-eleitoral - constatamos que o povo governa, mas as contradições dos seus representantes proíbem-no efectivamente de governar. De tal modo que o regime, ligado, até por definição, à existência de um poder enérgico, se converte na busca pelo Poder e o grande intento que galvanizaria um povo que a si próprio se governasse como deveria ser polarizar-se-ía em torno da busca da tal ideia, do tal desígnio para Portugal cujo propósito, programa e condições hoje os 10 milhões de portugueses desconhecem.
Aquilo que verdadeiramente sabemos é que entre Cavaco e Sócrates coabita uma birra típica dos meninos de sete anos a quem roubaram o brinquedo em vésperas de Natal.
Perante tanta falta de senso, até apetece dizer: ó Cristo vem cá abaixo ver isto!!!
Obs: Dedicamos esta pequena reflexão aos ilustres protagonistas da birra, para interiorizarem bem as figuras que fazem no espalo público. Figuras que, pelos vistos, não conseguem ser dissolvidas pelos assessores de um lado e doutro da compita.
_________________________________________________
  • Buarque para o José Adelino que no dia 18 fez mais um, outra vez.
-------------------------------------------------------------------------------
Chico Buarque - Construção