Adivinha - por António Vitorino -
Adivinha, DN
Escrever de véspera é como morrer na praia… Escolher como tema as decisões acerca do novo presidente do Conselho Europeu e do novo alto-representante para a Política Externa da União Europeia a escassas horas do começo da reunião dos chefes de Estado e de Governo, sabendo que o escrito apenas será lido já depois da decisão pode parecer um risco excessivo. Mas as escolhas que na quinta-feira [ontem] ao jantar vão ser feitas são demasiado importantes para o futuro da Europa para as deixarmos passar sem uma breve reflexão. Com a próxima entrada em vigor do Tratado de Lisboa, aqueles dois novos lugares da estrutura institucional da União serão, juntamente com o presidente da Comissão, os rostos visíveis da União Europeia junto dos 500 milhões de cidadãos europeus e perante o mundo inteiro. Os critérios de escolha são, como se sabe, complexos. Não se trata propriamente da quadratura do círculo, mas de conjugar numa escolha de um limitado número de lugares equilíbrios entre países grandes e pequenos, entre países do Norte e do Sul, entre países do Ocidente e do Leste do continente, entre as duas grandes famílias políticas europeias (democratas-cristãos do Partido Popular Europeu e socialistas e sociais-democratas do Partido Socialista Europeu), entre homens e mulheres. À partida, deste puzzle fica de fora o nosso país, contemplado já com a escolha do presidente da Comissão. Mas tal significa um lugar dado já a um homem, do Sul, de um pequeno Estado e da família do PPE. Daí decorre a ideia de que os dois outros lugares serão repartidos um para o centro-direita e outro para o centro-esquerda. Os socialistas manifestaram uma preferência pelo alto-representante para a Política Externa, donde resultaria que o Presidente do Conselho Europeu seria confiado a alguém saído das fileiras do Partido Popular Europeu. Contudo, raras vezes se terá partido para uma maratona negocial deste tipo com o jogo tão em aberto. As listas de candidatos que circulam são extensas e os jogadores guardam as cartas junto ao peito. A tarefa da presidência rotativa sueca não se afigura fácil. Assim sendo, quando soubermos quem foram os eleitos, veremos até que ponto estes vários critérios foram observados e que espécie de equilíbrio foi encontrado. Dois aspectos convém, contudo, ter especialmente em atenção. O primeiro tem a ver com a questão do género. As instituições europeias têm sido tradicionalmente dominadas por escolhas masculinas. Num continente em que 52% dos habitantes são mulheres, esta dominância masculina contrasta gritantemente com a realidade sociológica. Mas seria injusto imputar tal disfunção à própria União Europeia. Basta, aliás, ver as fotos de família do Conselho Europeu, que integra os líderes dos governos nacionais, para também aí ver a absoluta dominância masculina (só a Alemanha hoje tem uma mulher como chefe do Governo…). Como a escolha costuma recair sobre um membro ou ex-membro do grupo, estamos perante um sistema que se reproduz a si próprio em circuito fechado. O segundo tem a ver com o peso político dos escolhidos. Nestas rondas europeias, nem sempre se pode dizer que as escolhas sejam norteadas por um critério de mérito relativo sequer. O risco que se corre, pois, é que os eleitos não sejam exactamente os melhores para a função mas antes…aqueles que têm menos anticorpos, os que suscitam menos opositores. Existe na União a tradição de polarizar a escolha entre nomes fortes que se neutralizem mutuamente para depois escolher, seja por cansaço seja pelo medo de assumir o preço do falhanço na escolha perante a opinião pública, a "terceira" solução, o dark horse para usar a terminologia eurocrática consagrada. E das duas, uma: ou a "terceira" solução tem méritos próprios que a credibilizam ou então, se for apenas o menor denominador comum, não se espantem depois que a Europa apareça cada vez mais como irrelevante no mundo actual. Enquanto as espadas tinem em Bruxelas, deixo-vos uma pequena adivinha: sabem onde é que está neste momento Barack Obama? Obs: Nos últimos cinco anos, e AV sabe disso, esta Europa viveu de expedientes e turismo no Darfur para pobre e CNN ver, com nomes mais ou menos sonantes a representar a sua fachada institucional. Mas de que serve a Europa ter um belo catálogo de nomes se, na prática, ela vive da gestão das crise por ocultação que gera, os seus indicadores socieconómicos são miseráveis, a acumulação de capital não é eficientemente aplicado no espaço europeu, não há grande especialização do espaço competitivo, o desemprego espelha a gestão Barroso, graçam as contabilidades criativas e o endividamento, as funções económicas e sociais do Estado não podem acudir a tudo, e Obama, por não querer morrer na praia, deve estar na China, na Índia ou algures na Ásia.
Ou, na pior (ou melhor) das hipóeteses, a comer um hamburger num Mac Donald perto da Casa Branca, porque quem consome produtos nacionais só contribui para o florescimento da sua economia, coisa que os europeus - e os portugueses - fazem mal, ou não fazem.
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