sexta-feira

Recta final - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
Recta final por António Vitorino, in DN
Ocupados como estamos com a campanha eleitoral, com os discursos dos candidatos e os episódios mediáticos que têm marcado estas duas últimas semanas, quase nem nos apercebemos de que o mundo continua a girar à nossa volta.
Progressivamente vão-se consolidando os sinais de uma retoma económica ainda frágil, mas que vai chegando a vários quadrantes geográficos e sectores económicos. No final desta semana ocorre a terceira reunião do G20, ocasião para fazer o balanço das políticas de estabilização financeira e de combate à crise, bem como de dar um impulso à nova arquitectura financeira global, para a qual foram dados importantes contributos pelas propostas sobre regulação e supervisão divulgadas pela Comissão Europeia.
No domingo, mais de 80 milhões de alemães vão a votos e as sondagens indicam que o perfil político do futuro Governo não está ainda estabilizado, oscilando entre uma grande coligação e um acordo de partidos do centro-direita.
E faltam apenas oito dias para que os irlandeses decidam do destino final do Tratado de Lisboa, através de novo referendo.
Algumas incógnitas importantes serão, pois, preenchidas nestes próximos dias.
A dimensão dessas escolhas em nada diminui aquela que os portugueses serão chamados a fazer também no próximo domingo. O que for a vontade livremente expressa através do voto vai determinar a forma como o nosso país enfrentará o mundo pós-crise nos próximos anos.
As sondagens mostram que a escolha passa por uma opção entre um governo liderado pelo PS ou um governo liderado pelo PSD. Só o PS pode ainda aspirar à maioria absoluta. Caso contrário, voltaremos ao período de governos minoritários.
Por muito que o tema seja embaraçoso para alguns, a questão da governabilidade decerto não deixará de estar no centro das preocupações de muitos eleitores. Daí a obsessão de alguns em tudo fazerem apenas para impedir que o PS possa reeditar a maioria absoluta.
Podem mesmo procurar iludir a questão da governabilidade, considerando-a de somenos importância, ou até tentar jogar no medo, inventando acordos secretos e coligações inverosímeis. No fundo, quem conta ter ganhos eleitorais apenas através da federação de vários descontentamentos foge da temática da governabilidade como o diabo da cruz.
Mais difícil de perceber é a atitude de quem, aspirando a ser governo, se convenceu de que bastaria premir a tecla do descontentamento para ganhar.
O maior factor de empobrecimento desta campanha deriva, pois, do facto de o PSD ter abdicado da sua vocação reformista e ter dirimido as suas diferenças internas pela via de um programa eleitoral que prima pelas meias palavras, pelas ambiguidades, pela afirmação de uma coisa e do seu contrário e pelo desejo de conciliar todas as queixas e protestos sectoriais na mira de agregar votos.
Do ponto de vista do resultado saberemos o que efectivamente rendeu esta táctica no domingo à noite. Mas, do ponto de vista da clareza e da transparência da escolha, dificilmente se conseguem reter as três ou quatro ideias-força que definem a identidade da candidatura política do PSD, em nome das quais se mobiliza uma base de apoio que perdure ao longo do tempo de uma legislatura. É nesta omissão que começa o problema da governabilidade do País.
Por isso, não basta afirmar que a governabilidade não depende da fórmula política do futuro Governo, se apoiado numa maioria absoluta no Parlamento ou se dispondo apenas de uma maioria relativa. Porque a estabilidade governativa disso também depende. Mas, sobretudo, a preocupação com a governabilidade do País joga-se no plano das ideias e da vontade política posta ao seu serviço. Perante a dimensão dos desafios, das ameaças e das incógnitas do mundo pós-crise, necessitamos mais do que nunca de um rumo e da capacidade de definir, afirmar e defender os nossos próprios interesses nacionais. Se subvalorizarmos, na nossa escolha colectiva, a clareza dos propósitos e as condições da governabilidade, só nos poderemos queixar de nós próprios.
Essa é a magia da democracia: o de sermos todos igualmente responsáveis pela definição do nosso interesse colectivo! Não votar é também uma forma de nos diminuirmos como cidadãos.
Obs: É curioso notar que AV qualifica o actual PSD naquilo em que ele efectivamente se transformou: um partido-protesto, federador de descontentamentos, de meias-palavras, autor do bota-abaixo, sem identidade, ideário, rumo ou estratégia. E mais curioso é notar que o que se diz do PSD seria igualmente aplicável ao Bloco de Esquerda do fundamentalista Louçã.
Na prática, Manuela Ferreira Leite conseguiu num ano, após o Congresso de Guimarães em que alguns cavaquistas ligados à assessoria de Belém entronizaram a senhora na presidência do partido, igualizar o actual PSD ao radicalismo do BE (um partido anti-sistema que promete tudo e o seu contrário), um e outro são hoje a face da mesma má moeda: partidos anti-Estado social e anti-investimento público, que é, hoje, mais do que nunca, a mola propulsora da dinamização económica e a alavanca da riqueza e do emprego.
É nisto que o Governo PS está apostado, e que PSD e BE, paradoxalmente (ou talvez não) rejeitam. Até parece que o PSD de Manuela Ferreira Leite, de súbito, e por umas estranhas influências, passou a ver na Albânia o seu modelo de desenvolvimento e de futuro.