Tirada fácil - por António Vitorino -
in DN
A crise vai passar e a Espanha vai continuar a estar aqui muito perto. Como até o PSD vai acabar por descobrir!
Todos sabemos que as campanhas eleitorais são propícias a intervenções mais ligeiras, a tiradas fáceis para o auditório aplaudir, privilegiando-se a frase com impacto ao rigor da análise. Esta é uma evidência tanto para os analistas como para os próprios eleitores.
O entusiasmo de um discurso pode, contudo, por vezes, levar a proferir afirmações de que os seus autores ficam prisioneiros, pagando assim ao longo do tempo um preço que eles próprios não desejariam por um momento de arrebatamento retórico.
Reagindo à presença em Portugal do líder socialista espanhol, o PSD veio acusar o Governo português de ter agravado as consequências da crise económica nacional em virtude de uma aposta tida por excessiva no mercado espanhol.
Com efeito, vieram sublinhar que tal aposta era de risco, uma vez que todos sabíamos que havia uma bolha de especulação imobiliária no país vizinho que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por rebentar, com consequências económicas mais gerais.
Trata-se de uma reflexão curiosa que passa por cima da memória dos tempos em que o PSD, no afã de fustigar a governação socialista em Portugal, tecia loas aos sucessos da política económica dos governos do Partido Popular espanhol, apresentando o caso do país vizinho como uma história de sucesso por contraponto ao marasmo do crescimento económico português. Descobrimos agora, pela boca dos próprios, que afinal o sucesso que incensavam era fruto da tal bolha.
A análise assim feita esquece que o crescimento do mercado imobiliário espanhol foi uma oportunidade para muitas pequenas e médias empresas portuguesas entre 2002 e 2008 que, confrontadas com a quebra do sector da construção em Portugal, encontraram no país vizinho contratos de subempreitada que muito contribuíram para a sua sustentabilidade nestes últimos anos. Tal como esquece que tais empresas, na maior parte dos casos, deram trabalho a muitas dezenas de milhares de portugueses e até acolheram um relevante número de imigrantes do Leste em Portugal que, não tendo trabalho no nosso país, se deslocaram para o país vizinho em busca de trabalho.
Mas, ao pretender tirar efeitos políticos internos do impacto da crise económica em Espanha, esta tese parece ignorar o que foi o percurso das duas economias ibéricas proporcionado pela adesão simultânea à União Europeia em 1986.
As regras europeias do mercado interno constituíram um poderoso instrumento de integração económica da península, ao ponto de, neste momento, a Espanha ser o nosso primeiro cliente externo e Portugal ser o terceiro cliente mais importante da Espanha, à frente, aliás, de todos os países da América Latina no seu conjunto.
Como está bem de ver, esta integração foi propiciada pela proximidade geográfica e pela comunhão de regras aplicáveis, pela inexistência de risco cambial dada a pertença à Zona Euro, pelas oportunidades que representa um mercado de 42 milhões de consumidores, pelas similitudes culturais e linguísticas dos dois países.
Esta dinâmica de integração económica foi sobretudo assumida pelos próprios agentes económicos e se algumas queixas tenho ouvido elas prendem-se mais com a grande visibilidade das marcas espanholas presentes em Portugal e com a menor projecção da situação inversa.
As relações económicas ibéricas são desequilibradas por razões de escala económica que não custa perceber. Mesmo assim, existe margem para corrigir ou, pelo menos, minorar esse desequilíbrio, mediante uma presença mais significativa dos agentes económicos portugueses em Espanha, o que tem vindo a suceder em vários sectores muito para além do da construção e obras públicas. Foi esse o sentido da aposta correcta que o Governo português fez. Logo, para além dos efeitos retóricos das campanhas eleitorais, a crise vai passar e a Espanha vai continuar a estar aqui muito perto. Como até o PSD vai acabar por descobrir!
De qualquer modo é curioso registar que depois dos tempos em que a direita portuguesa dava azo ao seu tique anti-espanhol, queixando-se da "invasão" económica dos nossos vizinhos, agora o mesmo tique leva-os a queixarem-se antes do excesso de aposta portuguesa em Espanha...
Obs: A postura de Paulo Rangel à política luso-espanhola parece encontrar similaridades lamentáveis com as várias posições da sua líder, Ferreira leite em matéria de investimentos públicos que oscilam entre o Não, Sim e Nim (consoante os dias da semana) - com o parlamentar Rangel a servir de correia de transmissão de Leite no hemiciclo. Agora, porque o Psd não está no poder, faz da economia espanhola o seu bode expiatório, esquecendo-se do dinamismo económico que António Vitorino acima explicita - que medeou entre 2002 e 2008. Rangel, porque não é intelectualmente sério, apenas vê a parte final do filme que lhe interessa ver para extrair as suas conclusõesinhas oportunistas. O resto decorre do muito queijo que o deputado come que o leva a tamanhos esquecimentos. Mas quando em 2014 ou 2018 o psd for poder terá de lembrar-se das declarações oportunistas de Rangel em matéria de economia luso-espanhola e, aí sim, terá de as engolir a frio. Quem sabe se vestido por uma camisinha da Zara dirigindo um automóvel também montado no Reino de Espanha. Por regra, Deus escreve direito por linhas tortas, pode é levar tempo a fazê-lo, o mesmo que demorará este errático PSD a chegar ao poder...
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