quarta-feira

Sai [mais] uma sondagem para a mesa 4. Evocação de Pierre Bordieu

As sondagens "à séria" nunca deixam empates à vista. Nada de "coisas" simétricas. Os empates deixam sempre água na boca. E se há coisa que o tuga detesta é um empate - que sabe sempre a pouco. Portanto, há que fazer a perguntinha perversa e malandreca para que os resultados também sejam perversos. E assim, por vezes, se vai desancando na democracia à boleia duma sondomania que converte pulsões e raivas do momento em estados de espíritos permanentes. É assim que muito engenheiro social ganha a vidinha - enganando pacóvios aplicando a estatística e a matemática à coisa social. O lema é: falhar, falhando - até acertar. No final, justifica-se o erro com outro erro, que carece de mais uma sondagem...
Um exemplo de imposição das sondagens diz respeito aos efeitos perversos que produz nos media: perguntar a uma população se ela acha que a prestação do Presidente da República foi decisiva para a campanha do 2º mandato - é pressupôr que as prestações televisivas do PR podem ser decisivas para os resultados e obriga o cidadão mais indiferente a tomar partido sobre a questões daqueles efeitos mediáticos.
Muito frequentemente nos media, este tipo de approach tende a desqualificar a sondagem, que deveria começar por questões de comportamento e depois entrar em dimensões mais familiares à massa da população. Até porque a população formula mais facilmente uma apreciação sobre uma personalidade política em termos de carácter do que em termos políticos.
Ora, ainda hoje vimos o mago das sondagens, Pedro Magalhães debitar on tv, ao formular a sua preocupação (ou questão, não entendi bem): o PM ainda não esclareceu bem a coisa do Freeport, a coisa está pouco clara na mente dos tugas. Se isto é fazer questionários isentos a Ferreira leite ainda vai a PM.
Um rapaz doutorado a dizer uma bujardas destas, ainda se fosse um almeida da CML seria aceitável, agora um doutorado.., expert em estatísticas e extrapolações... E quando lhe perguntam como formula a questão da sondagem, ele o que expressa é a "sua preocupação" - e não a questão de entrada, que deveria ser neutral para arrancar com o inquérito aos inquiridos.
As sondagens são importantes, mas o seu uso sistemático não parece saudável e não devem ser determinantes - como hoje se quer fazer passar. O sondageiros ganharam influência, status e muito dinheiro à boleia dessa "ciência oculta" - que aproxima mais do acerta, além de manipular e induzir em erro as pessoas mais influenciáveis ou sugestionáveis (ainda que involuntáriamente). Tanto mais que em Portugal a cultura política ainda é baixa, daí que qualquer "artista" do inquérito de rua manipula os papalvos dos inquiridos que assim comem gato por lebre.
De resto, até a própria palavra "opinião" tornou-se sinónimo de sondagem, tamanha a perversão do expediente que tem escavacado a democracia. Por outro lado, a tendência dos media para proceder à fábrica das encomendas de sondagens - que sustentam departamentos em universidades e empregam pessoas que, doutro modo, estariam a dar aulas pregando no deserto, confirma a tese (perigosa) de que é a visão de muitos dos autores desses "pseudo-estudos" (ou fotografias do momento) que inquina e acaba por influenciar a decisão das pessoas no médio e longo prazos. É como se as pessoas estivessem lentamente a ser empurradas numa determinada direcção. As pessoas não escolheram ir para alí, mas, de facto, é para alí que vão.
Em suma, interrogar uma pessoa sobre um assunto que a interessa pouco, não deixa de ser uma imposição de problemática, como diria Pierre Bordieu, por isso também aqui o evocamos.
Quando vejo esses estudos de opinião vertidos em certezas tentando quantificar vontades e traduzi-las em arrumações estatísticas que ditam percentagens políticas distorcidas da realidade - mudo logo de canal. Trata-se de ruído comunicacional e de poluição sonora, mas infelizmente não é essa a conduta da maior parte das pessoas que, por razões culturais, psicológicas e outras acabam sempre por se deixar manipular pela sondomania.
Dizem que a televisão mata o cinema. Em compensação, a televisão também mata a televisão. Eu diria, para concluir, que a sondagem tem "esfaqueado" a democracia, ainda por cima faz-se pagar bem e só muito raramente acerta.
É a abstenção que quase sempre se fica a rir. Mais vale comprar o Borda d' Água...
- Um amigo meu até diz: não vejo televisão logo existo.
- Respondo-lhe: não vejo sondagens, logo não me deixo endrominar.