terça-feira

"Guantánamo, prisões secretas e responsabilidades europeias". A minha posição.

[Publicado por AG] [Permanent Link]
Abaixo reproduzo a intervenção (um minuto, apenas!) que fiz esta tarde em Debate Plenário do PE, sobre como a Europa pode agir para ajudar o Presidente Obama a encerrar Guantánamo e as prisões secretas - o que inclui assumir responsabilidades pela colaboração dada à Administraçao Bush por 14 Estados Membros. Entre os quais Portugal. Nesse contexto voltei a desafiar o Dr. Durão Barroso, hoje com especiais responsabilidades como Presidente da Comissão Europeia, a clarificar o que sabia, afinal.
"Portugal instou a UE a chegar a acordo sobre o acolhimento de pessoas detidas em Guantánamo, o que é estratégico para a solidariedade transatlântica e um gesto humanitário para com pessoas, já ilibadas de suspeitas, mas sujeitas a detenção ilegal, tortura e subtracção à Justiça.
Mas é também um dever para 14 Estados Membros da UE que foram coniventes com a Admnistração Bush, como este Parlamento apontou. A responsabilidade europeia por violações do Estado de direito e dos direitos humanos não pode ser apagada.
O Presidente Barroso tem negado conhecimento da cooperação dada pelo governo que encabeçou na transferência de prisioneiros para Guantánamo e para as prisões secretas. No entanto, ninguém acredita que os militares, a Polícia, os Serviços de Informação e a Administração pública portugueses fossem tão incompetentes de modo a permitir que o espaço aéreo, marítimo e terrestre de Portugal fossem sistematicamente violados pelos EUA.
A fim de o clarificar, será que o Dr. Barroso tornará públicas as notas dos encontros mantidos entre os seus assessores diplomáticos e a Sra. Condoleezza Rice, quando ele era Primeiro Ministro?
Será que o Dr. Barroso tornará público o parecer que então pediu ao seu conselheiro jurídico Dr. Carlos Blanco de Morais para impor regras de navegação especiais a embarcações aproximando-se de navios militares americanos transportando prisioneiros através de águas portuguesas?"
Obs: A ideia parece-me positiva, repartiria os custos de segurança do post-11 de Setembro de 2001 com a nova América de Obama. António Vitorino já se reportou ao assunto. O nosso MNE, Luís Amado deu eco dessa ideia na UE. O prof. Vital Moreira racionaliza uma questão essencial que o mesmo Durão Barroso (ao tempo PM) - obviamente não irá responder, as usual.
Por mim, confesso, reconheço a boa intenção e a ideia sagaz (e kantiana) de Vital Moreira, mas é, creio, uma perda de tempo por duas razões que enumero:
  • 1. Bastaria ir alí ao hemiciclo de S. Bento e tentar colocar a mesma questão ao deputado José Matos Correia, que era os "olhos e os ouvidos" de Durão. Respondia-não-respondendo. Durão fará exactamente o mesmo. Ou seja, pura perda de tempo. Posso estar enganado..
  • 2. Depois, o que prova que o proponente desta questão ficará "pendurado", se me é permitida a expressão. É que Durão Barroso (recorde-se) é um pragmático, i.é, em economia um neoliberal, mas em política e em ideologia não mudou, continua um fibroso-maoista, o que significa que se tiver de dar dois passos atrás para depois dar um passo à frente - não hesitará. Muita gente em Portugal ainda não percebeu isso.
Embora nesta questão - verdadeiramente de Estado - porque implica a manutenção de segredos de Estado que envolvem questões, recursos, decisões e conhecimentos que devem ficar na "cápsula" de decisão estratégica do Estado, entendo que o Poder, por razões de soberania, de regime e de valores e até de civilização - não deve abrir mão dos seus segredos - ainda que isso possa ter violado alguns direitos humanos de presos acusados de actos terroristas que terão, alegadamente, sido transportados (ou escalados) pelo nosso espaço aéreo, marítimo ou terrestre.
E porquê?
Porque se trataram de acções de terrorismo global, que faziam (e fazem) perigar a civilização Ocidental, entendo que no cálculo dos arcana imperii que enquadram os interesses e os valores do Estado democrático e os bens e os valores a salvaguardar a coberto do segredo de Estado - deve ser este, e não aquele, o valor a prevalecer. Precisamente, porque o terrorismo é uma situação-limite, que não visa apenas impôr às democracias uma cosmovisão, mas, e sobretudo, destruí-la física e moralmente.
As armas usadas também não são de plástico e, como vimos em 11 de Setembro, os aviões comerciais foram convertidos em mísseis balísticos dirigidos contra edificíos civis matando milhares de pessoas inocentes duma só tirada. O que provocou o pânico, objectivo fulcral de qualquer acção terrorista.
É por esta razão que entendo que entre o príncipio do Estado democrático (que visa dar publicidade de todas as decisões da administração) e o segredo de Estado - deve ser este a prevalecer e a fazer doutrina no sistema internacional. Isto não impede que a Europa se solidarize com os EUA, seria até útil que o fizesse, mas nunca pondo a descobreto métodos, informações, diligências e procedimentos que pudessem comprometer a soberania de um Estado, das suas gentes e dos seus bens.
Numa palavra, e esta deve ser a 1ª vez que estou - ainda que por omissão de acordo com o silêncio de Barroso - o terrorismo globalitário, suicidário e catastrófico trouxe novos desafios à integridade dos Estados que vai muito para lá do direito, e é aqui que se entra num tema clássico da política (e das relações internacionais em particular) segundo o qual a mentira de Estado é "lícita" e "útil", pois é ela que vai assegurar as vidas humanas, os valores e os bens das pessoas que vivem num Estado de direito; não é o direito, ainda que importante, que vai acautelar esses bens e esses valores. Até porque em contextos de guerra a 1ª coisa que começa logo por ser violada é o direito...
No fundo, e era isto que desejaria deixar claro aqui - aproveitando as notas do prof. Vital Moreira no quadro de Guantánamo - é que quando um Estado entra no domínio da guerra e paz, e o terrorismo puxa-nos para esse limite, cabe ao Estado, mediante procedimentos especiais internos não ser completamente transparente, não se expôr, não revelar as suas intenções reais no momento em que as decisões correspondentes terão de tornar-se públicas.
Ainda que mais tarde o possa fazer, mas mesmo assim com reservas, na medida em que o terrorismo é um fenómeno que stá longe de ter sido erradicado no sistema ou na esfera da globalidade.
De resto, para os autores que tratam da razão de Estado, e é isso que também aqui está em equação (e não apenas a forma como os prisioneiros de Guantánamo serão geridos pelos vários ordenamentos jurídicos e prisionais dos países de acolhimento), o tema da dissimulação é obrigatório, e nenhum democrata, por mais exaltado que seja, e aqui acho que a eurodeputada Ana Gomes não esteve bem, terá razões suficientemente fortes para eliminar das práticas dos Estados democráticos a chamada mentira lícita e útil ou, se preferirmos adoptar a terminologia de Platão, a nobre mentira.
Por último, e creio que um jurista da boa e densa formação e experiência do prof. Vital Moreira (a quem eu, obviamente, nada ensino) compreenderá o seguinte. Até porque é da communis opinio de quem detém o Poder - o soberano deve defender-se permanentemente de inimigos externos e internos, se necessário for teremos todos a obrigação de mentir, ou mais precisamente, de dissimular - se a nação estiver na eminência de ser atacada por um grupo terrorista.
Não seguir estas máximas é ser ingénuo, é acreditar que os terroristas querem tomar chá e comer torradas e biscoitos connosco alí na Mexicana e depois ir ao cinema Londres ver um filme romântico.
Os fundamentalistas islâmicos são, evidentemente, pessoas doentes e fanáticas, o modus operandi que escolhem para produzir danos ilustra esse posição. Portanto, esse "doente" jamais poderá enganar ou iludir o "médico" (o Ocidente) da bondade da sua conduta, sob pena de irmos todos desta para melhor em nome, o que seria mais ridículo, dos bons princípios kantianos.
Portanto, em matéria de terrorismo a civilização ocidental deverá adoptar as regras do chamado segredo de Estado, se assim se pode dizer (como diria o outro a jogar "golfo"), o que não impede de a Europa se esforçar e de se concertar com os EUA de Obama para repartir os encargos e os custos desta nova era post-11 de Setembro - que coincide com o encerramento de Guantánamo - de que, aliás, a semana passada o próprio António Vitorino se fartou de teorizar.
Tanto que até o MNE deu eco dessa ideia na Europa - ainda dividida nessa matéria, presumo. Esperemos que por pouco tempo..., e a bem da segurança global.