domingo

Marcelo e a glorificação do homem-médio. Sobe sobe balão...

O comentador Marcelo Rebelo de Sousa é considerado o mestre dos mestres dos comunicadores políticos em Portugal. Ele é, seguramente, aquele que melhor se aguenta a falar durante meia hora sem enjoar por aí e além. Mas todo ele é drama: na expressão facial, na gesticulação dos órgãos, no olhar, na rapidez e prontidão como que se sai das perguntas. Por conseguinte, Marcelo é a ilustração prática de que as relações entre os animadores e os respectivos convidados variam em função da notoriedade e da posição de cada um deles. E o trabalho num estúdio de tv combina todas estas actividades e interacções - numa relação de cumplicidades que todas as profissões, no fundo, exigem.
Mas o comentarista pelo destaque e mérito merece lugar aparte nessa arrumação dos comunicadores especializados em generalidades - da política à cultura passando pelo antibiótico e pelo livro de azuleijos e poesia africana. E até é com estima que escrevo estas notas, pois em 2005 teve a amabilidade de escrever umas notinhas para um livro de que fui autor, portanto só posso estar grato. Mas estar grato não significa que ouça toda aquela prosa (a)críticamente. Se atentarmos nos conteúdos sistematizados do comentador não fica nenhuma reflexão, nenhum pensamento mais profundo - a exigir meditação para o futuro.
O que fica é a enumeração duma sistemática que Marcelo tem - e sabe desenvolver comunicacionalmente com mestria -: alinhando os agumentos positivos num lado, os negativos noutro. Mas o sumo é fraco. E até lhe ficam mal certas notas, quando se dedica a mandar puxões de orelhas a outras pessoas que fizeram mais pela democracaia e por Portugal do que ele, como é objectivamente o caso do prof. Diogo Freitas do Amaral, seu colega de ofício.
Mas ideias novas, saídas e/ou escapatórias para os problemas e nó górdios das sociedades contemporâneas - ZERO. Marcelo não é apenas um comentador: foi presidente do maior partido da oposição e esfacelou o PSD num péssimo score eleitoral; almejou ser PM e terminou deposto pelo partido-smart (do cds) de Paulo Portas (por causa daquela aliança contra-natura); desejou ser edil da capital, mas terminou a mergulhar no rio Tejo - perdendo a CML para Jorge Sampaio, talvez por isso ele tenha tido a desfaçatez hoje de dizer que Freitas meteu ao barulho Sampaio no caso Freeport. Quando o que Freitas do Amaral pretendeu dizer a semana passada na SIC, no programa Dia D - foi que até o PR - juntamente com o PM indigitado (Durão) - todos concordaram na aprovação daquele projecto pelo impacto ao nível do desenvolvimento regional que tinha.
As escolhas de Marcelo são notas políticas sem grande substância, limitam-se a glorificar o chamado homem-médio. Tudo aquilo é feito para que o telespectador se reveja no "animador" - que deseja desempenhar o papel de homem normal. É óbvio que não se defende aqui que Marcelo seja um deus, um génio, mas poderia fazer um esforço para que as suas análises políticas não sejam um misto de cultura popular ajustada ao formato dos media contemporâneos para corresponder à imagem e às expectativas que o (seu) público espera de si.
Marcelo fala de facto muito bem, articula lindamente, o problema é que não tem ideias. E este não é apenas um problema dele, é o mais grave problema que corrói o sistema político que vive no séc. XXI ainda com as bases programáticas do século passado.
Também aqui identificamos o passivo da política: a globalização secou-nos, e hoje buscamos uma só ideia importante para sairmos do abismo e ninguém nos é capaz de soprar um indício.
De certo modo, vivemos todos num grande vazio. A importância de Marcelo apenas ilustra esse [epi]fenómeno.
Eurovision 1979 - Portugal