segunda-feira

A regionalização, outra vez - por Francisco Sarsfield Cabral -

A regionalização, outra vez, in Público
A moção de José Sócrates ao próximo Congresso do PS defende a regionalização e propõe um referendo para a aprovar. Há onze anos a regionalização foi negada em referendo; seria politicamente inaceitável uma maioria no Parlamento tomar uma decisão em sentido contrário sem nova consulta referendária. Foi, aliás, o que aconteceu com o aborto. Formalmente, é o procedimento certo.
Claro que não é bonito repetir referendos até darem o resultado “correcto” – prática habitual na União Europeia. E um novo referendo sobre a regionalização obrigará a repetir os argumentos utilizados em 1998, de um lado e do outro. Já estamos todos um pouco fartos. Mas em ano de eleições o PS consegue embaraçar o PSD, muito dividido sobre esta matéria.
Fui em 1998, e continuo a ser, contra a regionalização, mas não por recear que ela ponha em causa a coesão nacional. Portugal tem as fronteiras mais antigas da Europa e uma sólida identidade nacional. Sendo muito diversificado na sua paisagem natural e humana, não regista quaisquer tendências separatistas no continente.
Sou contra a regionalização porque a criação de uma nova e adicional estrutura político-administrativa reforçará o já enorme peso do Estado na sociedade. Um peso que a presente crise económica e financeira, exigindo um forte intervencionismo estatal, aumenta vertiginosamente. E a regionalização irá multiplicar os obstáculos burocráticos às pessoas e às empresas. É disso que a corrupção se alimenta.
Se as coisas se passarem como Sócrates quer, teremos uma novidade no próximo referendo: o mapa. Há adeptos da regionalização convencidos de que perderam o referendo de 1998 por causa do mapa das oito regiões, algo artificial e por isso muito contestado.
Mas, com excepção do Algarve, não existem no continente português regiões naturais claramente demarcadas por factores geográficos ou outros. Por isso é interminável a discussão sobre o desenho e as fronteiras das regiões que se inventam. Nunca se chegará a uma conclusão consensual.
Sócrates pretende uma solução diferente da apresentada há onze anos, propondo as cinco regiões administrativas, das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Só que pelo menos as duas primeiras regiões não são homogéneas.
Há um enorme e crescente fosso entre as zonas litorais das regiões Norte e Centro, por um lado, e as respectivas terras do interior, por outro. O grande desequilíbrio no continente português é entre o litoral e o interior. Ora não se vê o que vai lucrar o nordeste transmontano com um novo poder político-administrativo no Porto. Este pode, até, reforçar as disparidades de desenvolvimento, atraindo ainda mais recursos humanos e materiais do interior Norte para as faixas litorais do Minho e do Douro.
Os políticos tendem a gostar da regionalização porque ela cria novos cargos. Se as regiões vão ter alguma autonomia financeira, em vez de viverem penduradas no Orçamento de Estado, terão de poder elas próprias lançar impostos, de maneira a existir responsabilidade fiscal. Ora lançar impostos regionais implica, para respeitar a democracia, ter um mini-parlamento em cada região...
Essa responsabilidade é hoje escassa nas autarquias, que vivem sobretudo do dinheiro cedido pelo Estado central. Assim, os seus dirigentes podem gastar sem o ónus político de pedirem directamente dinheiro aos cidadãos que vivem no seu território. Uma situação cómoda, mas que impede os supostos beneficiários das obras de terem uma ideia realista do balanço de custos e benefícios de cada empreendimento.
Mas não está tudo demasiado concentrado em Lisboa? Está, com certeza. Contra isso foi-nos inúmeras vezes prometida uma descentralização administrativa, que tarda a concretizar-se em grau significativo.
Veja-se a relutância em deixar que o Aeroporto Sá Carneiro, no Porto, seja privatizado e gerido por gente do Norte. Ou repare-se como o ensino público em Portugal é comandado do Ministério da Educação em Lisboa, com rédea muito curta, tornando o sistema um monstro burocrático impossível de gerir.
Falta, assim, lógica a quem propõe a regionalização como via para transferir poderes do Estado central, mas pouco fez para descentralizar administrativamente o país.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Parece que os argumentos contra a regionalização são mais convincentes do que os argumentos a favor. Tudo num rectângulo exíguo que apesar de ser assimétrico na sua escala de desenvolvimento relativo não orefece perigos de separatismo, salvo na "Repúblicas das bananas" do Al berto João Jardim, mas também aí ele ameaça-ameaça mas não há meio de integrar a OUA. Aguardemos para ver a configuração da regionalização proposta.