sábado

Retrocessos - por António Vitorino -

RETROCESSOS, in dn António Vitorino Jurista
Os relatos que nos chegam da reunião de Davos deste ano destacam o debate entre os participantes sobre o tema globalizacao versus proteccionismo.
No essencial, trata-se de um dilema provocado pela resposta à crise económica global que estamos a viver.
Numa primeira abordagem, a recessão económica incentiva os países a fecharem-se sobre si próprios e se a via das exportacoes parece vedada, terá de ser a partir do mercado interno que se procurará garantir a sustentação da actividade económica.
O pacote de estímulo económico do Presidente Obama inclui uma cláusula (reforçada em relação ao que é habitual na legislação americana) para que os cidadãos buy american - comprem o que e feito na América!
Sem ser por via legislativa, vários governos europeus lançaram campanhas de preferência à aquisição de produtos (e serviços) nacionais, caso da Espanha e do Reino Unido. A Comissão Europeia já assinalou que irá analisar a conformidade das novas regras americanas com os compromissos assumidos no âmbito de Organização Mundial de Comércio e que, no plano interno, estará particularmente atenta a medidas que os Estados tomem em violação do princípio da não discriminação sobre que assenta o mercado interno europeu.
O tema promete ocupar a agenda dos decisores políticos nos próximos meses.
Estas reacções proteccionistas não poderiam também deixar de se fazer sentir no funcionamento do mercado de trabalho, o qual, no plano europeu, já mesmo antes da crise representava o elo fraco da cadeia das liberdades comunitárias.
Em período de recessão económica e de subida galopante do desemprego, a tentação de "reservar" os escassos postos de trabalho criados para os nacionais é muito forte.
Mais a mais, quando os números do desemprego atingem a cifra impressionante e aterradora de 180 mil novos desempregados à escala mundial só na semana passada....
Os acontecimentos ocorridos em Inglaterra nestes últimos dias, onde trabalhadores ingleses, apoiados pelos respectivos sindicatos, se manifestaram e fizeram greves de protesto contra a contratação de portugueses e italianos para uma empreitada de uma empresa francesa a operar no Reino Unido, constitui um sinal de alerta sobre o que pode gerar a deriva proteccionista em termos de conflitualidade e de tensões sociais.
Atente-se bem que não se trata de uma reacção contra os chamados "imigrantes", mas sim contra cidadãos comunitários que exerceram o seu direito a circularem livremente no seio da União e a trabalharem num país diferente do da sua nacionalidade. E que o protesto ocorre no Reino Unido que tradicionalmente é um dos países europeus mais abertos à presenca de empresas e de trabalhadores estrangeiros, um dos campeões da globalização e das regras fundamentais do mercado interno europeu.
A situação em causa espelha a angústia e a insegurança dos trabalhadores britânicos perante o espectro do desemprego e revela que há dinâmicas que, uma vez desencadeadas, não são facilmente reversíveis, além de abrirem as portas para práticas retaliatórias que, no limite, ainda agravarão mais a situação de crise em que vivemos.
Para estas situações de conflito não há soluções mágicas e quer de um lado quer do outro ouviremos argumentos e queixas que isoladamente até poderão fazer sentido e ser compreensíveis do ponto de vista humano.
Mas o risco que corremos e que além de sofrermos os efeitos nefastos da crise ainda estejamos a dar cobertura a retrocessos civilizacionais que, a prazo, só tornarão ainda mais difícil a saída da crise...
Obs: Digamos que à Europa-fortaleza contra as "Túrquias" que há por aí sucede-se, agora, com a recessão mundial - um conceito emergente de Europa-fortaleza dentro da própria União Europeia. Ou seja, casa onde não há pão todos ralham e...