quarta-feira

Uma bicefalia atípica do regime entre Belém e S. Bento. Por uma governança alternativa em períodos de turbulência

Sendo o nosso regime semipresidencialista significa que o Governo responde no Parlamento que pode ser dissolvido pelo PR, só que uma coisa é a letra da norma constitucional (estática jurídica), e outra é a realidade política cozida na rotina dos dias, que tem as suas próprias dinâmicas e peculiaridades, além do capricho e volúpia dos homens.
O epifenómeno do Estatuto dos Açores talvez não tenha surgido por acaso na cadeia complexa e imprevisível dos acontecimentos políticos em 2008, desvalorizando a autoridade de Belém e reforçando a tendência para a parlamentarização do regime. De resto, o ex-deputado socialista, António Vitorino já em 2006 - andando sempre à frente dos acontecimentos - vaticinou essa evolução do sistema político português - que evoluiria do semi-presidencialismo para o parlamentarismo. Confirmou-se.
Se assim é, e os factos convergem agressivamente nessa direcção, podemos estar perante a última experiência de coabitação que faltava fazer, conforme sistematizou António Vitorino em 2006 - por ocasião do debate sobre os 30 anos da CRP. Um debate que pode surgir na próxima revisão da CRP, este ano - que deverá preparar uma nova Constituição para o futuro.
Mas o ponto que aqui pretendo sublinhar não é de natureza constitucional, mas de tipo sociológico e politológico - sempre mais rico e dinâmico para a vida das comunidades e do país no seu conjunto. E é aqui que entramos nesse novo mundo político por explorar entre Belém e S. Bento que, a ser efectivamente explorado, terá de firmar-se através dum general agreement entre os dois titulares do vértice do Estado, PR e PM.
Ou seja, quando se olha para os espaços urbanos e regiões das outras cidades do mundo onde as populações são mais ricas, consomem mais e vivem com melhor qualidade de vida - a que se deve a uma política municipal integrada que proporciona às pessoas empregos, parques de estacionamento, locais históricos, espaços verdes, segurança, escolas, etc.. São, precisamente, essas infra-estruturas e serviços que atraem e fixam as pessoas tornando as cidades mais aprazíveis e seguras fixando as populações. Que passam a ter pessoas mais educadas e qualificadas a circular na cidade - valorizando a economia no seu conjunto.
Significa isto, por outro lado, que o crescimento urbano e a prosperidade já não se deve às infra-estruras industriais, mas a modelos de governação socialmente mitigados, i.é, espaços cujas cidades consigam tornar-se atractivas para as pessoas - que aí desenvolvem as suas ideias e realizam os seus projectos .
Sucede que hoje os investimentos são cada vez mais raros por força da crise seguida da recessão, o que faz cair o PIB, os rendimentos e o consumo - além duma automática diminuição das exportações nesta circularidade da crise que nos empobrece colectivamente, embora de forma desigual consoante os grupos sociais que atinge.
Este nó górdio confronta Portugal com um constrangimento do (modelo) de desenvolvimento: como sair da recessão ou, se quisermos, como ficarmos nela o menor tempo possível?
E uma das respostas possíveis reside na captação de mais e melhor Investimento Directo Estrangeiro (IDE) - clássicamente realizado pelas agências de investimento (que actualmente não funcionam), mas que hoje, por nos encontrarmos numa situação económica e financeira de excepção, deveria ser repensada conjuntamente - mediante uma task force - entre S. Bento e Belém, através duma equipa mista de consultores e especialistas na área do desenvolvimento - cuja missão seria preparar um tour pela Europa e países do Médio Oriente e Ásia - realizado conjuntamente entre os dois principais actores que ocupam o vértice do Estado: Sócrates e Cavaco.
Há imensos capitais árabes mal parados - que só aguardam uma boa oportunidade de investimento e de negócio. E se a Portugal hoje não chegam investimentos de forma espontânea - dado o clima de desconfiança mundial nos mercados que impele à retracção global - impõe-se a Portugal ir atrás desses capitais, falar com os homens do dinheiro e dizer-lhes que se determinados investimentos forem realizados no rectângulo - o retorno é superior áquele que auferem com os capitais que hoje têm mal-parados.
Este é um desafio económico que se coloca à economia nacional com a mesma intensidade que se coloca à racionalização das relações políticas e institucionais entre Belém e S. Bento (e ao empresariado no seu conjunto, naturalmente). Cavaco e Sócrates, neste contexto de penúria têm, necessáriamente de se entender, e ambos têm de perceber de Economia & Finanças.
Para momentos de crise as soluções e as fórmulas políticas encontradas têm que ser, naturalmente, originais e criativas sem que isso implique violações constitucionais ou invasões de competências formais adstritos a cada órgão de soberania que funcionaliza o sistema político.
Bem ou mal, razão tinha AV quando em 2006 - previu que o sistema político testemunhasse a evolução do semi-presidencialismo para a parlamentarização do regime.

Acertando na norma de previsão constitucional que fixa a nova tendência do parlamentarismo, urge agora repensar na fórmula política que permite funcionalizar a relação S. Bento-Belém para este ano problemático de 2009.