Efeitos do frio na República
Instituto do Emprego exige leitura de discurso de Sócrates, in dn
FRANCISCO ALMEIDA LEITE
Concurso. Em causa os documentos sugeridos para prova escrita de técnico administrativo principal
Organismo público impõe o estudo de intervenções do primeiro-ministro
O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), organismo público na tutela do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS) , abriu um concurso de promoção para o preenchimento de 26 vagas de técnico administrativo principal em que um dos métodos de selecção é uma prova escrita onde os candidatos devem estudar um texto do primeiro-ministro, José Sócrates, sobre a iniciativa governamental Novas Oportunidades.
Entre a documentação recomendada pelo IEFP para quem tem que estudar para a prova escrita de conhecimentos está a lei orgânica do MTSS, a lei orgânica do IEFP, os estatutos, os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações, o regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas e respectiva regulamentação, a lei do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação de Desempenho na Administração Pública, o plano oficial de contabilidade pública, o Código de Procedimento Administrativa, o Código dos Contratos Públicos e, entre outra matéria, "a iniciativa Novas Oportunidades - www.novasoportunidades.gov.pt - a ambição, a estratégia, porquê a iniciativa".
Sucede que quem entra no site recomendado pelo IEFP e abre a secção "ambição", também sugerida, depara-se com um texto político de Sócrates sobre as virtudes do programa: "O sucesso da iniciativa Novas Oportunidades exige um empenhamento profundo de todos - cidadãos, empresas e instituições - na valorização de uma cultura de aprendizagem e na sua efectivação no terreno. Será, seguramente, um caminho muito longo, duro e difícil. Esta escolha não admite hesitações", escreve o primeiro-ministro, num texto que também foi usado para prefácio de um livro distribuído durante a presidência portuguesa da União Europeia, em português e em inglês.
Confrontado pelo DN sobre a razão para incluir um texto político do primeiro-ministro como documento sugerido para estudo num concurso público, o presidente do IEFP, Francisco Madelino, diz que "poderia admitir que não estivesse lá esse texto porque os 20 documentos propostos são técnicos, não posso é aceitar que se pense que é evangelização política". Questionado sobre quem terá sugerido o texto de Sócrates, Madelino afirma que foram "os serviços", mas assume que "em última instância" a responsabilidade é sua. Mesmo não se tratando de matéria técnica, mas antes política, Madelino garante que "também não é um crime de lesa- pátria".
Obs: Na impossibilidade de Francisco Madelino conseguir identificar um texto similar no pensamento de toda a oposição, deveria ter tido o cuidado de não incluir esse documento do PM naquele Instituto - ainda que com valor e potencial explicativo - na medida em que facilmente politizaria uma instituição que deve, por natura, estar completamente imune a esse tipo de conotações.
Madelino é um técnico experimentado que sabe da área, conhece os números e as dificuldades, melhor fora que ele pensasse num Plano Nacional de Emprego inovador e o apresentasse ao ministro Vieira da Silva que, em articulação com as nossas PMEs, o 3º Sector (como lhe chamou Peter Drucker (ONGs, IPSS, igreja, associações, movimentos sociais) pudesse contribuir para o aumento da taxa de empregabilidade em Portugal. E ainda articulado com o Ministério da Economia - para tentar identificar IDE que corporizasse novas oportunidades de investimento para o País.
Não ter conseguido "filtrar" a integração de um documento do PM naquela instituição é sinónimo de desatenção e até questiona a sua própria competência técnica. Querendo, porventura, estar em linha com o PM - esta foi, perversamente, a melhor forma de o penalizar deixando nele também uma imagem que, de facto, não cola nem com a sua competência nem perfil técnico-profissional de provas dadas. Foi, simultaneamente, dar um tiro no pé e um trunfo para a oposição de forma gratuita. Além de que algum jornalismo e alguns jornalistas vivem deste tipo de tricas e de epifenómenos que duram 24h e servem para alguém da oposição "arrotar" sobre o tema. O jornalismo de investigação, reflexivo só está ao alcance de alguns, poucos.
Sem ser estupidez política, só pode explicar-se pelo efeito negativo desta vaga de frio polar que varre Portugal e nos obriga a pensar o mínimo na ínfima secção do cérebro que hoje temos disponível.
Promova-se a substituição do documento por um de Peter Drucker, por exemplo. Depois envie-se xerox para S. Bento dando nota do reparo. E, já agora, outra para Belém que nada tem feito (senão discursos vazios) para aumentar a taxa de empregabilidade em Portugal. Em lugar dos assessores e burocratas andarem preocupados com as tricas com os media - poderiam, ao menos, começar a pensar fazer algo de útil por este nosso querido Portugal. E Cavaco, recorde-se, foi 10 anos PM do País. Repito: dez anos. Dele esperava-se um pouco mais do que apenas fazer eco das cartas dos pobres que lhe chegam à secretária em Belém dizendo que não têm dinheiro para comer e pagar as contas. Cavaco não é o notário dos centros de empregos nem um funcionário das misericórdias que regista as entradas das queixas e dos pedidos. Mas hoje em Portugal tudo se banalizou, até a função do mais alto magistrado da nação. Sinal dos tempos... Muita gente que votou Cavaco nas presidenciais hoje interroga-se se não teria valido a pena ter votado no poeta Manuel Alegre. É que entre discursos institucionais sem sal e exaltações desmedidas (vide o caso da mensagem sobre o Estatuto dos Açores, a 31 de Julho de 2008) e notas poéticas a invadir a política - os tugas preferirão sempre o calor das emoções facultado pelas letras. Já agora, pergunte-se ao poeta Alegre o que faria se fosse o titular da pasta do Trabalho e da Solidariedade Social alí na Praça de Londres - que do último andar se avista Lisboa inteira e até o Hospital Júlio de Matos... É que o PS tem em Fevereiro um importante Congresso. Um Congresso que, quero crer, deve centar-se mais nos constrangimentos e desafios colocados ao País do que nas tricas partidárias e nas guerrinhas de poder que têm animado o partido da Lapa nestes últimos anos, sobretudo desde que Durão executou a sua fuga para Bruxelas para coadjuvar W. nessa bela coisa que foi a guerra (ilegal e ilegítima) ao Iraque. Afinal, as armas nucleares e químicas devem estar na Comissão Europeia e Barroso quando se senta no seu cadeirão de poder em Bruxelas engana-se e senta-se sempre sobre uma ogiva nuclear. O mundo inteiro já descobriu isso, excepto ele...
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