domingo

Litost: as fontes de Belém e as relações com o jornalismo e a Política

Sem me reportar in concreto ao assunto que motivou o envio da queixa por parte do Chefe da Casa Civil do PR ao patrão da SIC - aproveito para, em tese, enunciar aquilo que me parece ser o pólo de conflitualidade política no decurso de 2009: um ano de eleições e na fase pós-Estatuto dos Açores - que demonstra que as relações Belém - S. Bento já não são como dantes.
Como referi, não me interesse se um agente de Belém envia uma nota para o jornal de Belmiro de Azevedo ou se faz um telefonema para um jornalista da confiança do sr. Fernandes do Público dizendo que o Chefe de Estado irá falar à Nação sobre tema incerto. Isso são coisas que acontecem, sempre aconteceram e vão, provavelmente, continuar a acontecer. É da condição humana. A natureza dos homens não irá mudar só porque Cavaco é o actual locatário de Belém.
Mais insólito é quando o capital de queixa sobe a parada e através do "patrão" da empresa se pretende admoestar ou condicionar um jornalista por um erro, falha ou injustiça que ele, na realidade, não cometeu. Embora as palavras por vezes, são piores do que pedras, e aos visados dá um jeitasso vitimizarem-se perante a opinião pública.
Ou seja, os agentes do poder de Belém (de S. Bento, AR ou TC) não são ingénuos, os jornalistas também não e a opinião pública fica baralhada com tanta dramatização, apesar de Belém já ter ganho fama, e o discurso de 31 de Julho de 2008 a propósito do Estatuto dos Açores consagrou essa prática na gestão da informação e na sua relação de Belém com a imprensa, que só alguns media têm acesso à informação institucional, discriminando os restantes media desse acesso em igualdade de condições.
Dito isto, identificamos nesta tendência de gestão segmentada da informação política e no seu relacionamento com os media, o caminho mais curto para gerar conflitualidade no sistema. Isto significa que a relação do poder com os media deve ser aberto e realizado em igualdade de circunstâncias, e não "privatizar" ou discriminar positivamente a relação com uns em detrimento d' outros. É esta prática que coloca areia na engrenagem, gera rumores, dá azo a informações de fonte anónima e pode, no limite, causar grandes estragos a órgãos de soberania e, por outro lado, também danificar a imagem de credibilidade que se pretende aos jornalistas, mormente áqueles que operam no sector do chamado jornalismo político, por natura mais sensível.
Este ano de 2009, por ser um tempo de eleições, por ocorrer numa fase em que as relações entre o PR e o PM já conheceram melhores dias, e por um extremar de posições que é típico em termo de mandato, será pautado por uma conflitualidade que aqui identifico ao Litost.
Que é, na prática, um estado tormentoso das relações sociais e políticas que nascem do espectáculo da nossa própria miséria súbitamente descoberta. De resto, foi isto que me evocou este epifenómeno que envolve o jornalista Mário Crespo que nunca na vida vi ofender ninguém nem praticar mau jornalismo, apesar de ter as suas preferências e de só entrevistar quem quer. O que é um mal menor se comparado com os defeitos de alguns aspirantes a políticos que têm da Política uma pequena visão tecno-burocrática dispensável numa fase em que Portugal precisa é de pessoas que saibam pensar a política e de encontrar novas soluções para velhos problemas.
A litost é, neste quadro de elevada condicionalidade política (marcada pela crise e recessão) - um traço sintomático da própria inexperiência política, geradora duma cosmovisão do poder e da sociedade também ela provinciana e limitativa em tempos de globalização competitiva.
Assim sendo, é natural que entre Belém e S. Bento ocorram mal-entendidos, entre Belém e uma certa imprensa haja desamores, e por aí fora. E digo mais Belém do que S. Bento - por causa do orgulho ferido do PR na sequência da maior derrota política que Cavaco sofreu em toda a sua carreira pública, o que só aumenta a sua angústia e dor - ao qual se sucede, inevitavelmente, um desejo de vingança. Também isto está inscrito no ADN dos homens, e não é Belém que vai inovar tornando-nos todos uns anjinhos dos céus.
E o objectivo da vingança (política) é conseguir que o parceiro ou o interlocutor do momento se mostre igualmente miserável. Damos aqui um exemplo para se compreender melhor a funcionalidade da litost. Num casal o homem não sabe nadar, mas a mulher é esbofeteada por ser exímia nessa modalidade. Ora, o marido bate-lhe para que ela se sinta miserável, porque foi esse o sentimento que experimentou ao saber que a mulher nada muito melhor do que ele. Ao ser esbofetada a sua mulher chora, e ao chorar já podem ambos sentir a mesma dor e encarar em igualdade de sentimentos a sua relação.
No sistema político, com outras variáveis, passa-se exctamente o mesmo: Cavaco está a viver esse período, é como se tivesse enviuvado da política, o que o obriga a passar por um período de nojo, mas que a qualquer momento pode explodir. Seja no quadro da relação com os outros órgãos de soberania, seja com os media.
Infelizmente, a política - porque nela convergem todos os interesses e todas as tensões humanas e materiais duma sociedade, é o palco das pequenas vinganças, só que elas nunca podem revelar o seu verdadeiro motivo. Ou seja, o marido não pode revelar à mulher que ela nada melhor do que ele, tem sim que invocar falsas razões - para baralhar. Nesta conformidade, é habitual vermos políticos queixarem-se de serem maltratados pelos jornalistas - mesmo quando estes nenhum mal fizeram ou cometeram uma violação à sua deontologia. É aqui que registamos o psicodrama dos pequenos políticos, justificados por questões de dignidade, honra e conexos. Quando não existem razões objectivas de queixa, arranja-se um pretexto, as usual - e monta-se, artificialmente, a tenda do conflito.
Em suma, a litost será, em meu entender, o principal factor de conflitualidade política em Portugal neste ano de 2009. Já conhecemos alguns sinais, alguns deles patéticos e até hipócritas e irão, por certo, multiplicar-se consoante se agrava a dramatização política com a chegada das eleições e com os partidos a agitarem-se no mar de angústias intervalados com desejos de vingança, o sal da (pequena) política.
Só resolveremos o problema da Litost nas nossas vidas e erradicamos os seus efeitos no complexo jogo social em resultado da recessão - se conseguirmos reaalizar vários "impossíveis" ao mesmo tempo:
  • sermos, em primeiro lugar, homens mais decentes e dignos, o que já é difícil dada a rigidez da própria natureza humana e das ambições que a move;
  • ser especialmente competitivo e, ao mesmo tempo, nunca perder de vista o sentido da coesão social, i.é, o nosso bem-estar tem, necessáriamente, de implicar o bem-estar dos outros
  • e se os outros estão a viver melhor - toda a sociedade já saíu da crise e mandou a recessão às malvas.

É óbvio que reformar o Homem é mais difícil do que fazer um programa de Governo e concluir com êxito uma legislatura. Mas nunca é tarde para tentarmos, como???

Investindo em mais e melhor Educação e Cultura, veículos que nos ajudam a não sermos mesquinhos, vingativos e invejosos - lamentavelmente qualificativos que ainda tolhem a boa performance do sistema político e limitam a rentabilidade do aparelho produtivo das nossas empresas.

Em vez de certos players perderem tempo na fabricagem de queixinhas aos patrões de estações de TV melhor fora que utilizassem os seus recursos e contactos para identificar novas oportunidades negócio para as PMEs nacionais e captassem novo Investimento Directo Estrangeiro para Portugal, mas isso dá muito trabalho e só está ao alcance de alguns.

Reflexão dedicada a Milan Kundera.