sábado

Catch-22. A Educação em Portugal...

Esta é uma expressão interessante porque entronca numa crítica às operações burocráticas das organizações do nosso tempo. No seu sentido mais específico, como ontem um amigo teve a bondade de me explicar, Catch-22 implica uma situação em que nenhum dos parceiros do processo ganha, neste caso do processo de avaliação dos profes - em que ambas as posições se extremaram - nenhum dos players (Governo ou sindicatos) parece querer limar arestas, sendo certo que os sindicatos ao saber que o tempo rola contra o Governo - tudo farão para lhe dar esse "beijo da morte" - que pode, afinal, ter um fim surpreendente.
E esse fim teve hoje um interessante sinal, com os profes, libertos da canga e da tralha sindical, fazendo uma manifestação no Marquês de Pombal. Talvez devessem ter começado por aí, e não andar a reboque dos sindicatos e, só agora, demonstrar que têm voz própria.
Mas relativamente ao modelo de avaliação dos profes ele deve ser racionalizado - não em função da notazinha que o professor atribui ao aluno (isto estraga tudo...), nem da carga burocrática que ele tem de percorrer para o avaliar. Se nada se alterar é natural que o professor seja um burocrata que se especialize em gerir fichas e um actor facilmente politizado pelo sindicato - fazendo com que, na linha final, os alunos passem todos com um Bom - como faz o idiota da Madeira - que despreza a verdadeira avaliação e desqualifica professores e alunos. Enfim, é um convite ao facilitismo.
Mas se isto é assim no ensino público, que esta ministra da Educação tem procurado valorizar, o que se passará no ensino privado: menos burocracia e mais eficiência no processo educativo, certamente. Mas também por lá encontraremos alunos que chegam a casa e os pais detectam inúmeros erros, erros fomentados pelos profes dos alunos que têm oportunidade de estudar em escolas privadas. Ora, isto confirma que existem problemas nos dois lados: no ensino público e no ensino privado, ainda que em doses diferenciadas.
Isto conduz a uma conclusão que me parece óbvia: os profes estão num processo de perda progressiva de prestígio e de estatuto que deve ser rapidamente invertido, e isso só se faz com uma avaliação de qualidade e eficiente. Depois, os tais 120 mil profes que perderam o seu laço afectivo com o Governo do PS - podem até ser compensados com o dobro dos eleitores por partes dos paizinhos dos alunos - que - numa manhã de lucidez - podem acordar para o problema e compreender que, afinal, a ministra da Educação pode não ter o estilo mais diplomático nem sequer convergir para os contornos duma Linda Evangelista, mas, simplesmente, reconhecer razão à senhora.
Mas tudo isto tem um texto e um contexto, e até um pretexto. Vamos por partes: o pretexto é a embirração que os sindicatos, o PCP e o BE têm relativamente ao PM (à sua personalidade e ao seu estilo..., não é para menos, pois o Homem ainda não perdeu nenhum debate parlamentar em quase 4 anos de mandato, e é o que mais lá vai ser escrutinado!!!), na esperança de aumentarem o seu score eleitoral e meterem mais um ou dois deputados no Parlamento por conta de tais partidos anti-sistema - que se podem permitir prometer tudo sob o sol porque nunca serão poder, logo nunca governarão.
Mas se Sócrates é o pretexto, o contexto foi a guerra psicológica iniciada em Março passado entre os sindicatos e a 5 de Outubro com a extremação de posições de parte a parte. E o texto ainda está por escrever. Na certeza de que neste ano de eleições "todos ficam nervosos e a voz da razão perde para a voz da paixão", como diria um amigo que ainda vai iluminar o candeeiro que falta acender.
O que fazer, como diria Lenine? Como sair desta no-win situation? Como forjar um trilho que permita aos players romper a barreira deste aprisionamento mútuo e circular.
Nas palavras do próprio Joseph Heller:
There was only one catch and that was Catch-22, which specified that a concern for one's safety in the face of dangers that were real and immediate was the process of a rational mind.
Numa palavra, e seguindo a linha de raciocínio de Heller: os players no terreno têm de deixar de ser loucos, só dessa forma regressam à racionalidade e à normalidade - condições indispensáveis para elaborar novas missões negociais com vista ao ajustamento do modelo de avaliação no sentido de o fiabilizar junto dos professsores e da comunidade escolar.
Isto implica fazer uma coisa tão simples quanto difícil: abandonar os odiosinhos de estimação que se foram sedimentando ao longo do tempo e, por extensão, abandonar também a lógica de circularidade argumental que les uns et les autres têm utilizado nesta contenda.
Lembro, por último, que Obama nas eleições contra McCain, um senador muito mais velho, nunca o ofendeu, antes o respeitou por ser um homem mais velho.
Ora também aqui, na Educação, se pede que os players têm o direito de fazer qualquer coisa que não podemos impedi-los de fazer, desde que seja para valorizar a Educação em Portugal. E fazer isso implica também ter em mente o que foi e representou O Processo de Kafka, o 1984 de George Orwell e o seu doublethink - (patente na cultura e comportamento dos sindicatos ao assinarem um memorando de entendimento que agora rasgam).
Talvez não fosse má ideia os sindicatos e o governo encetarem uma ronda de negociações na tal Comissão conjunta que António Vitorino defendeu em Março.
Mas em vez de levarem o Das Kapital de Carlinhos Marx (legendado por Jerónimos e Louçã - pelo lado dos sindicatos e do pcp e be) ou a sebenta de Maquiavel (pelo lado do Governo) levassem ambos a Bíblia, doravante sempre seria uma melhor garantia de aqueles que agora faltaram à palavra dada não voltassem a repetir a "proeza".
Uma proeza que se verte numa fórmula jurídica conhecida: Pacta sunt servanda, ou seja, os acordos são para se cumprir.