sexta-feira

A BOLA DO LADO DE CÁ - por António Vitorino -

A BOLA DO LADO DE CÁ
António Vitorino
Jurista
Na véspera da reunião do chamado G-20 já se percebeu que as expectativas estão muito acima daquilo que é razoável esperar como resultados. Desde logo porque o país anfitrião, os EUA, estará representado pelo Presidente cessante, enquanto o Presidente eleito enviará dois emissários como observadores. (link, DN)
Por outro lado, porque, embora a presidência francesa tenha logrado definir uma posição europeia comum, esse acordo dos 27 foi alcançado mediante a diluição de alguns dos pontos mais arrojados que Sarkozy queria ver adoptados. Acresce que as prioridades francesa, inglesa e alemã não são totalmente coincidentes para além daquilo que é a posição comum europeia.
Finalmente os países do G-20 que são economias emergentes (China, Brasil, Índia, Indonésia, a própria Rússia) dão provas de grande prudência na abordagem que fazem deste encontro, na expectativa (legítima) de verem até que ponto as economias desenvolvidas estão dispostas a assumirem as suas responsabilidades na presente crise.
O interessante é que as agendas dos vários países e blocos regionais para a reunião de Washington têm em comum a abertura de um debate sobre as novas regras do sistema financeiro internacional e ao mesmo tempo colocarem a ênfase na necessidade de relançar a economia para evitar uma recessão global que a todos atingirá, muito especialmente aos mais vulneráveis.
Unidos por uma necessidade comum até há pouco tempo improvável, os países que amanhã se reúnem representam em conjunto 80% da economia mundial e não podem ignorar as responsabilidades com que estão confrontados neste primeiro momento de uma coordenação possível à escala global.
Não custa a acreditar que será possível encontrar acordo em torno de alguns grandes princípios: melhoria da regulação financeira e do papel dos supervisores, enquadramento das agências de notação, reforço das organizações internacionais do sector (designadamente o Fundo Monetário Internacional e o Fórum de Estabilização Financeira). Só que para além dos princípios, o diabo apenas surgirá mais tarde, quando se confrontarem com os detalhes.
De qualquer modo, ciente da relevância da mensagem de curto prazo para a estabilização dos mercados financeiras e bolsistas, parece avisada a sugestão da presidência francesa da União de marcar um novo encontro ao mais alto nível para daqui a cem dias, já para debater as propostas concretas que entretanto tenham sido apresentadas pelos vários participantes. Acresce que nesse momento já haverá um novo inquilino na Casa Branca.
Para além do que a reunião de amanhã disser sobre estas questões, dois outros aspectos importa ter em atenção.
O primeiro será o de saber se o principal "cavalo de batalha" do primeiro-ministro britânico encontrará eco nas conclusões da reunião. Com efeito, Gordon Brown coloca o assento tónico no relançamento da economia e numa acção conjugada à escala planetária de injecção na economia de liquidez e de programas que contrariem a tendência recessiva em curso. A recente decisão chinesa de adoptar um plano de estímulo económico no valor de 500 biliões de euros parece ir nesse sentido, embora nem todos os países tenham as reservas financeiras necessárias para o poderem fazer num curto espaço de tempo. O interesse desta conclusão pode ser partilhado por todos na medida em que uma recessão económica global prolongada se traduzirá em recrudescimento do proteccionismo, em desemprego e agitação social tanto nos países desenvolvidos como nos países em vias de desenvolvimento.
O segundo ponto tem a ver com a possível ligação entre a agenda financeira que está na base da convocação desta Cimeira do G-20 e as demais questões da actualidade económica global, muito em especial as negociações comerciais (a chamada Ronda de Doha) e a Conferência da ONU sobre as alterações climáticas prevista para Dezembro de ano que vem em Copenhaga.
Com efeito, neste plano, as economias emergentes terão todo o interesse em sublinhar que o concurso que são chamadas a dar para enfrentar a crise financeira não pode ser desligado daqueles outros aspectos essenciais para a sua inserção na economia global. E aí a bola volta para o lado dos mais ricos...
Obs: Divulgue-se.