terça-feira

Fomentar a coabitação social nos subúrbios

A cidade, mormente os subúrbios, são espaço não explorados de aprendizagem de diversidade cultural com que todos deveríamos aprender. As autarquias e as instituições escolares, desportivas, sociais e culturais detêm um capital de experiência nesta área considerável, sobretudo no último meio século por força da democratização das sociedades e pelo peso crescente que neles passou a ter o chamado Poder local - também designados governos de proximidade. De resto, a autarquia de Loures, dinâmica e empenhada, até tem um departamento para tratar as relações interculturais, tal a sua especifidade.
Mas por uma razão ou outra tais experiências e saberes acumulados têm sido marginalizados ou até desprezados por todos. Um fenómeno de não aproveitamento de saberes agravado pelas próprias condições geradoras de violência e insegurança que se vivem nesses subúrbios. O caso ocorrido na Quinta da Fonte, em Loures, que envolveu cenas de violência entre as comunidades negra e cigana - é apenas um reflexo dessa realidade social explosiva que integra a paisagem dos subúrbios das grandes cidades europeias. Em Portugal, as cidades de Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro não são excepção, e mais cedo ou mais tarde essa explosão de violência teria de eclodir.
Aqui não há milagres, o mundo dos subúrbios é, desde há umas décadas a esta parte, um autocarro com "bombas sociais" lá dentro, e em andamento pelo País, o que lhe confere uma preocupação com uma dimensão verdadeiramente nacional que a todos deveria preocupar.
Mesmo que as motivações ou as causas próximas ou latentes que conduziram a essa violência tenham origens culturais, rácicas, geracionais e que depois se adensam com o clima de marginalidade, violência e até de crime que integram essa cultura de subúrbio.
Significa isto que a coabitação entre raças diferentes, desfavorecidas económicamente e culturalmente quase-iletradas só poderá encontrar este desfecho: a violência e a consequente insegurança, que depois tende a generalizar o método da vendetta privada como forma de regulação social e dos ajustes de contas entre comunidades que se odeiam no espaço comum.
Estas comunidades são, pois, o produto de duas opções: ou conseguem conviver mais ou menos de forma pacífica, ou tendem a criar espaços de identidades-refúgio que visam impôr a hegemonia de uma comunidade sobre a outra, fazendo com que uma cultura esmague a outra. Ora, foi isso que a comunidade negra tentou provar sobre a comunidade cigana, em franca minoria - já que por cada cigano existem 4 negros na Quinta da Fonte, em Loures.
Se por um lado, o tal espaço urbano facilita a coabitação cultural, e basta ir ao Rossio para registar aquele cosmopolitismo, esse mesmo espaço urbano (e suburbano) não garante a segurança e a convivência pacífica entre as diferentes comunidades.
Ante o problema, que fazer? Desde logo, fazer estudos comparativos e identificar medidas preventivas para aplacar esse caldo cultural gerador de violência sistémica aí instalado.
Aos estudos comparativos, incentivar o debate público entre representantes de ambas as comunidades, por forma a que os êxitos e fracassos dessas comunidades sejam exteriorizados e conhecidos do grande público. Um debate que também deverá envolver os agentes sociais e políticos, nacionais e locais, até porque as derivas que aqui se colocam envolvem o repensar do sistema de transportes, de educação, de espaços verdes, de equipamentos escolares e de todo um conjunto de infra-estruturas que se deverá ajustar à racionalização dos subúrbios.
Aqui os professores terão uma palavra a dizer, pois são eles quem assegura a educação desde a infância passando pela escola primária até ao liceu desses jovens, e garantem silenciosamente a complexa integração - bem ou mal - dessas pessoas na sociedade. Por vezes até com sacrifício próprio.
Porque se trata de saber aplacar o ódio que existe nos olhos dessas crianças, resultantes das injustiças do mundo e da busca de dignidade que essas comunidades buscam para sair do geto em que estão.
Depois dos professores, e das medidas de planeamento urbano que urge repensar, a música, o teatro, o cinema, a rádio poderiam funcionar aqui como molas construtoras de um novo diálogo entre comunidades, que os ajudassem a estabelecer essas pontes quebradas entre comunidades desavindas.
Se todos nós não fizémos nada para resolver preventivamente este problema, o tal "autocarro que segue com bombas sociais" lá dentro, foi porque, verdadeiramente, não conseguimos perceber a dimensão problemática do multiculturalismo que temos às portas das nossas cidades, nem tão pouco soubemos equacionar a mudança de contexto sociocultural patente na conduta das pessoas que integram essas comunidades. Que já não resultam da descolonização, mas das novas realidades decorrentes da imigração económica e do facto de a Europa ser, de facto, um Continente aberto que ainda representa para muitas dessas pessoas um paraíso perdido na terra - onde cada um pensa encontrar um interessante projecto de vida e um lugar para trabalhar, ter filhos, realizar-se e ser feliz.