terça-feira

A (nova) pobreza

Aqui há uns anos quem visse esta rapariga assim vestida diria que era pobre. Com tão escassa roupa e a que tem está rasgada, a conclusão seria óbvia: é pobre, muito pobre. Isto significa que o próprio conceito de pobreza evoluíu para se tornar universalmente aplicável. Mas o que é a pobreza? Não existe um conceito único e inequívoco, todavia há índices que podem medir a pobreza em função de um certo número de indicadores tidos por relevantes e necessários na sociedade: acesso a água potável, frutas frescas, roupas, um tecto, acesso à educação, e um conjunto de oportunidades ligadas aos passatempos e ao lazer.

Ora, quando não se consegue ultrapassar estas privações (cujo índice pode ser composto com outras variáveis consoante as sociedades, as regiões, o clima, etc) podemos dizer que tal pessoa ou grupo de pessoas vive uma situação de privação que configura a pobreza. Ora Portugal conta já com cerca de 20% da população nessa fronteira da privação, dois milhões de pessoas são já um número gritante. Não por causa das maiorias sociológicas que podem (ou não) formar-se em seu torno - até porque essas pessoas práticamente não votam - mas por questões de sobrevivência, por imperativos de humanidade, por razões de desenvolvimento e também por razões ético-morais. Portanto, aqui há ainda um longo caminho a percorrer, seja pelo Estado seja por via das chamadas instituições da sociedade civil.

Contudo, importa reter a ideia de que à medida que as sociedades se tornam mais prósperas, os padrões de pobreza relativa são gradualmente ajustados num sentido ascendente. Porventura, a rapariga que vemos na imagem supra tem carro, usa telemóvel, tem uma casa onde tem frigorífico, tv, rádio, talvez aquecedor central - apesar de andar quase toda despida. Tudo coisas que hoje, nas modernas sociedades post-industrializadas, são já equipamentos verdadeiramente banais, ainda que no passado recente fossem vistos como bens de luxo. Ainda não há muitos anos um telemóvel custava cerca de 700 cts. Devia ser do tamanho, já que se assemelhavam a tijolos.

Naturalmente que este exemplo da rapariga é apenas para ilustrar esta variação do conceito de pobreza cuja trajectória evolui no decurso do tempo, como se referiu.

Em Portugal quem são os pobres? Como se tornaram pobres esses 2 milhões de pessoas? Qual ou quais as políticas do Estado para combater esse flagelo? Que orientações desenvolve a chamada sociedade civil para esse combate? Como se articula a relação do Estado com as ONGs e as IPSS para combater as privações dessas pessoas e "devolvê-las" à sociedade sem as privações que tinham e faziam deles pobres? Eis algumas questões que importa colocar aos poderes públicos e para os quais urge meditar e encontrar um conjunto de propostas e de medidas a curto, médio e longo prazos. Já agora, qual tem sido a política da UE no combate à pobreza?

E de que forma podem ser lançadas pontes entre as instâncias comunitárias e as entidades nacionais no sentido de aumentarem a eficiência e eficácia dos programas sociais de combate à pobreza? Eis um tema que deverá passar a integrar a agenda do dr. Durão Barroso que, consabidamente, passa a vida a falar na globalização mas, de facto, pouco ou nada tem feito para libertar as franjas mais pobres das sociedades europeias. O dr. Barroso só sabe ir ao Darfur despejar sacas de farinha sob o olhar macroscópico das camaras da CNN para depois aparecer nos noticiários globais.

Às crianças, aos adultos, aos idosos e pensionistas que hoje se encontram desprotegidos - seja pela sua rede familiar (que em inúmeros casos é inexistente) seja pelo Estado que tem escassos recursos para os auxiliar - que programas sociais de combate à pobreza estão sendo estudados em Bruxelas e pelas entidades governamentais e da sociedade civil para debelar esse flagelo que nos envergonha a todos nós?

É que uma nação só é verdaderamente desenvolvida se conseguir debelar essas desigualdades, que em Portugal parece estarem a aumentar, questão que é da responsabilidade de todos nós, e não da responsabilidade do governo A ou B. O combate à pobreza não se resolve com a distribuição pela cidade de umas sopinhas quentes, mas com programas sociais duráveis no tempo - que, para o efeito, devem comprometer as empresas do sector lucrativo, as ONGs, as IPSS, o Estado e os cidadãos individualmente. Medidas fiscais, isentando certas pessoas com baixos rendimentos do pagamento de taxas, medidas sociais garantindo-lhe o acesso a serviços de saúde e de educação. Naturalmente, que este conjunto de programas sociais deveria ser monitorizado por técnicos qualificados para garantir que também um conjunto de hábitos que a pobreza tem - crónicamente associada à marginalidade - alterassem substancialmente os seus padrões e, desse modo, servisse para reeducar essas pessoas a ter novos hábitos incutindo nelas uma nova disciplina que lhes permitisse encarar o mundo e a vida com mais esperança e optimismo.

Hoje já não devemos encarar a pobreza como um mal para a vida, com uma patologia, lembrando as Casas dos Pobres do séc. XIX, que tinham enraizado a crença de que a pobreza resultava de uma patologia e de um desajustamento dos indivíduos. Também não adianta culpar a globalização pela pobreza existente, porque a globalização é um processo antigo, embora só nos últimos 20/30 anos os seus efeitos mais nocivos (e também positivos) se tenham mundialmente disseminado mercê da revolução informática e das Tecnologias de Informação e Comunicação.

Entre o Estado-providência, o Estado-conservador e corporativista e o Estado-liberal à americana - os governos europeus, e sobretudo o Governo português, têm de encontrar uma fórmula de segurança social que resolva o problema da pobreza em Portugal e, ao mesmo tempo, liberte recursos para a economia de mercado funcionar. É que a poreza não deve ser uma condição permanente, mas um estádio (infeliz) que seja transitório para um grau de ausência dessas privações.

Em última instância o problema da pobreza é, acima de tudo, um problema de falta de Liberdade e de Desenvolvimento, como teorizou Amartya Sen. Qualquer governo socialista (ou até social-democrata) percebe isto. E aqui as classes mais abastadas da sociedade também se deverão sentir empenhadas em contribuir com o seu quinhão para eliminar a pobreza em Portugal... Tal deveria fazê-los sentirem-se bem.

Pobre é toda aquela sociedade que deixa frutificar no seu seio a lógica da existência em larga escala do vencedores e vencidos da globalização. Pobre é toda aquela sociedade que reconhecendo a sua pobreza endógena nada consegue fazer para debelar esse flagelo social.

E nós, os portugueses, não somos aleijadinhos...