segunda-feira

Petróleo e populismo - por Francisco Sarsfield Cabral -

Petróleo e populismo, in Pública
Em Novembro de 1973 o preço da gasolina quase duplicou em Portugal. Era o primeiro choque petrolífero, com o crude a subir brutalmente. O segundo choque aconteceu em 1979-80 e o terceiro estamos a vivê-lo agora.
O Japão não produz uma gota de petróleo. A resposta japonesa a esse primeiro choque foi repercutir nos consumidores, pessoas e empresas, o custo acrescido do petróleo. Pelo contrário, na maioria dos países europeus os governos recearam desagradar aos consumidores. Como no preço final dos combustíveis há uma grande parcela de impostos, esses governos abdicaram então de alguma receita fiscal para aliviarem o consumidor.
Passados anos, verificou-se que o Japão se tinha ajustado aos novos preços do petróleo, superando a crise. Como? Reduzindo consumos de combustíveis, exactamente por estarem caros, e aumentando a eficácia na sua utilização, desde logo nos automóveis.
Ao invés, na Europa e nos Estados Unidos a resposta foi mais débil e lenta, o que prolongou a “estagflação” (estagnação económica com alta de preços). Mas no segundo choque, em 79-80, europeus e americanos recorreram menos às almofadas fiscais para mascarar o aumento do custo do petróleo. Deixaram funcionar o mercado.
Nos Estados Unidos, porém, depois de se fazerem alguns progressos na redução dos consumos nos automóveis, com o preço do crude em baixa insistiu-se na gasolina e no gasóleo baratos (pagam menos impostos do que na Europa ou no Japão).
Hoje, o aumento do consumo de petróleo na China (12% no ano passado) e na Índia é um dos factores da alta do crude. Mas existem 37 milhões de carros na China e 250 milhões nos EUA. Este país é responsável por quase um quarto do consumo petrolífero mundial, enquanto a China se fica, por enquanto, nos 10%. O elevado consumo dos automóveis americanos (porque o combustível, sendo menos taxado, é barato nos EUA) também é um factor da presente alta. Mas dele pouco se fala.
Por cá, tivemos a má experiência do congelamento do preço dos combustíveis no tempo de Guterres, que pôs o contribuinte – gastasse ou não combustível – a financiar os consumidores. Por isso, e para além da injustiça social daí decorrente, continuámos a desperdiçar energia. Temos mais carros por habitante do que a Dinamarca. Portugal é um dos países europeus com mais baixa eficácia no uso de produtos petrolíferos e de bens com eles produzidos (como a maior parte da electricidade que consumimos).
Foi o resultado de não deixar funcionar o mercado, impedindo que fossem transmitidos os sinais para as pessoas alterarem hábitos de consumo, poupando, e para as empresas procurarem maneiras mais eficientes de usar a energia. Esses sinais são os preços.
O actual Governo parece ter aprendido a lição, recusando-se a ceder a populismos, como seria descer impostos sobre os produtos petrolíferos, subsidiar consumos, etc. A mesma atitude, aliás, tomou em relação à crise económica e à consolidação das contas públicas. Ainda bem.
É obrigação de um governo responsável fazer da subida do custo do petróleo um incentivo para travar consumos, com benefícios para o ambiente, e promover a eficiência energética e o transporte colectivo. O encarecimento do petróleo também reforça a aposta em curso nas energias renováveis. Mas não haja ilusões: o essencial está na redução do escandaloso desperdício neste país pobre de recursos energéticos.
Claro que não se devem estrangular as empresas, impedindo-as de repercutir nos seus consumidores o acréscimo de custos com o gasóleo. E algum dinheiro dos contribuintes terá de ser desviado para ajudar grupos mais vulneráveis à subida dos combustíveis e dos alimentos.
É, assim, de aplaudir que alguns passes sociais não subam até ao fim do ano, porque se trata, em geral, de pessoas de menores rendimentos. E cabe ao Estado reduzir as dramáticas desigualdades existentes em Portugal. Mas as empresas de transportes terão de ser compensadas com dinheiro do Estado – ou seja, dos contribuintes - por aquele congelamento.
Já um gasóleo profissional, mais barato, é hipótese a afastar, até porque não foi famosa a experiência com o gasóleo verde para os agricultores. Seria abrir uma permanente fonte de fraudes.
São tempos difíceis. Mas as crises abrem perspectivas de mudar. Assim haja capacidade de liderança.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Que se saiba o Francisco não aderiu ao socialismo na dobra do milénio, nem está a fazer nenhuma comissão de serviço ao Sócrates na Rádio Renascença, logo é insuspeito para dizer o que pensa e escreve aqui no jornal de Belmiro de Azevedo que perdeu a OPA da Sonae à PT (tão fielmente dirigido por josé Manuel Fernandes). A sua reflexão revela conhecimento puro aplicado à economia, realismo e pertinência. Recorda-nos a forma como outros países - sem petróleo - reagiram às crises energéticas, elogia as medidas sociais que Sócrates tomou a semana passada no Parlamento em matéria de passes sociais e reconhece que o governo faz bem em não descer os impostos com a subida artificial do petróleo - não cedendo, assim, aos fáceis populismos do cds/pp (e de certo psd emergente em fase pré-eleitoral) que atira o seu líder para terras espanholas para aí fazer o seu (habitual) número de circo (volvido o ciclo da lavoura e das pescas). Esta é, como se refere, a 3ª e mais grave crise energética que a Europa enfrenta na sequência da subida dos preços do petróleo, pois que se aproveitem os maus tempos para reduzir nos desperdícios e investir nas renováveis. As crises servem sempre para algo: para tanto, como conclui o articulista, e um dos decanos do jornalismo económico nacional, basta que haja liderança. Ainda que para isso tenha que se ser impopular...