JULGAMENTO - por António Vitorino -
JULGAMENTO
António Vitorino
jurista
Mas em certa medida essa omissão corresponde à certeza de que se a União Europeia existe é decerto porque ela tem algo a dar aos europeus.
De forma mais explícita ou mais implícita, directa ou indirectamente, nestes 50 anos, os europeus foram integrando a construção política europeia numa narrativa que fazia apelo aos valores da paz, da consolidação da democracia e da promoção da prosperidade. Estes três valores genéticos explicam a continuidade do projecto europeu e a sua originalidade, que continua a ser um quebra-cabeças para os teóricos dos modelos políticos consolidados, bem como a sua força atractiva, consumada ao longo de sucessivos alargamentos.
A crise provocada pela rejeição em França e na Holanda do Tratado Constitucional europeu evidenciou que os europeus começavam a interrogar-se sobre se o projecto de integração ainda estaria à altura de responder às exigências daqueles três valores centrais num mundo global e em acelerada transformação.
O período de incerteza desencadeado pelo impasse constitucional permitiu, contudo, colocar estas dúvidas em perspectiva. Nem o Tratado Constitucional podia, por si só, ser responsabilizado por tamanha incerteza, nem o vazio criado pelo impasse foi preenchido por uma visão alternativa que deslocasse o centro de gravidade das soluções possíveis da incontornável necessidade de relançar o processo de integração por via da alteração dos Tratados.
É neste ponto que regressamos a Lisboa e ao Tratado que leva o nome da capital de Portugal.
Só os juristas (e mesmo assim apenas os mais fanáticos) é que acreditam que o que está na lei (ou nos Tratados) está no mundo. Mas quando se trata de discutir o sentido de uma comunidade de países e de povos assente no direito, numa ordem jurídica própria e em regras de concertação de diferentes interesses entre Estados pela via do diálogo e da negociação num quadro institucional próprio, o regresso à base das bases, aos Tratados, é incontornável.
Por isso, a questão central não é a de saber se este Tratado de Lisboa é o melhor tratado do mundo. Mas antes, talvez mais modestamente, a de saber se este novo Tratado europeu é melhor que os anteriores.
E nesta avaliação, hoje tal como no passado, a pergunta dominante será ainda a de saber o que é que esta Europa, assim afirmada e progressivamente construída, pode dar aos europeus. Ora, sabendo que os tratados não mudam o mundo, aquela pergunta traduz-se em saber o que é que este Tratado de Lisboa pode permitir aos europeus que lhes seja dado a partir dele e com base nele.
Vistas as coisas deste modo, a resposta, sendo complexa nas suas especificidades, é no fundo simples. Este Tratado de Lisboa dá aos europeus, às instituições da União e aos seus Estados membros as bases incontornáveis para desenvolver um conjunto de políticas que nos permitam enfrentar melhor o mundo em que vivemos. Assim como recria um quadro de funcionamento que se pretende mais eficaz, mais ágil, mais transparente e sujeito a um controlo e a uma efectiva responsabilização democrática.
Contudo, um tratado, na frieza das suas regras e até na ambiguidade de algumas das suas soluções, não substitui a vida, a dinâmica da luta política a partir de diferentes visões das políticas a prosseguir e desenvolvida no quadro estabilizado das instituições previstas no tratado.
Ora é aqui, na vida sob a égide do Tratado de Lisboa, que tem cabimento a segunda parte da questão de John Kennedy: o que é que os europeus podem fazer pela Europa?
Sem prejuízo de voltarmos ao tema e para começo de conversa, uma coisa é muito clara: o que desde logo podemos fazer pela Europa é considerarmos como nosso dever cívico conhecer, nas suas grandes linhas, o Tratado de Lisboa. Porque só o conhecendo o poderemos efectivamente julgar.
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