A cidade
A cidade simboliza o espaço do poder, da liberdade e da acção, da criatividade, da fuga, do anonimato e, por vezes, o local do suicídio. A cidade é uma selva: tem tudo de bom e comporta tudo de mau, ela manifesta-se na materialidade do imponente espaço urbano, nos monumentos, nos edifícios, na representação dos agentes sociais e políticos. Mas o essencial da cidade está oculto no fim colectivo, na ordem e na finalidade superior que ela deve ter para mostrar futuro, rasgar caminho e apontar soluções e alternativas a este viver comum num grande espaço feito de redes sociais em que os interesses particulares se misturam com as finalidades públicas. Mas que só estas legitimam o exercício da função política na cidade. Ou seja, a cidade não é uma coisa estática, um espaço, um território é, antes, um jogo de intencionalidades que podem apropriar-se do espaço urbano como alvo e como instrumento da sua acção. O que pressupõe realizar coisas simples como assegurar tarefas mais complexas: (re)pintar uma passadeira integra o lote das coisas simples, gerir um espaço como a zona ribeirinha que hoje ainda está ocupada pelo Porto de Lisboa representa uma tarefa complexa. A qual já envolve um conjunto de relações entre poderes públicos e privados que pode não coincidir nos seus termos e descambar em paralisias na vida da cidade. Por isso é que a cidade deve meditar recorrentemente nas suas próprias ideias e projectos, virtudes e estrangulamentos, e referenciar o quadro de acção por via da hierarquia dos problemas que tem a resolver: seja nos bairos sociais mais desfavorecidos ou entre as comunidades que vivem mais folgadamente.
E como é que concluímos que a nossa cidade se encaminha para um ponto de referência positivo? basta que compulsemos duas variáveis: aquilo que supomos ser a cidade ideal e aquilo que constitui a cidade real. Se a distância entre ambas for abissal vamos no mau caminho, se a distância entre ambas se estreitar vamos no bom caminho. Uma cidade também é isto: não apenas um exercício do poder político concreto, mas também um jogo de intencionalidades, uma rede de especulações puras, teóricas que, depois de discutidas e amadurecidas, são devolvidas à esfera do campo de acção política prática. Sendo certo que o homem é esse misto teórico-prático que ora concerta os buracos na cidade, planifica-a para, de seguida, pegar no carro e matar duas pessoas que estão simplesmente no meio da via a aguardar passagem.
PS: Este miserável texto é dedicado a todas aquelas pessoas inocentes que morreram esmagadas na cidade, quando um dia apenas a encaravam como mais um dia de trabalho, de liberdade, de acção, de criatividade, de... Nada!! porque a morte tudo interrompeu.
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