quinta-feira

Sobre o voto - por Rui Tavares -

Sobre o voto
12.07.2007, Rui Tavares
Aqui há uns tempos, Miguel Sousa Tavares escrevia que, em décadas de crónicas na imprensa, nunca revelou o seu sentido de voto. Creio perceber porquê. Até há pouco, a tradição dominante na imprensa portuguesa era a de dar voz a comentadores partidários. Ora, para esses comentadores revelar o voto era chover no molhado (embora não deixassem de o fazer, e até ao limite do absurdo: anteontem, Vasco Graça Moura tentava convencer-nos no DN que "... só a candidatura de Fernando Negrão contrasta fortemente com as outras. Inspira tranquilidade e confiança."). Para os restantes, que eram poucos, sobrava uma noção quase espiritual de apartidarismo: era como se não votassem; ou, votando, não pudessem exprimir a sua opinião sobre o assunto. O que é bizarro, porque é para dar opiniões que os cronistas servem. Na blogosfera, o caso é diferente. Ainda tenho na Internet textos que não só revelam toda a minha história eleitoral como dizem como votaria até em eleições estrangeiras (quem quiser a história toda deve procurar no Google). Revelar como ia votar era só uma parte do interesse. O mais importante era descrever o processo mental que justificava aquele voto. Para quem não tem obrigações partidárias, raramente se vota a direito; o caminho até à cruzinha no papel é feito de muitas considerações, algumas contraditórias, e essa é a parte que conta mais. Pessoalmente, guiam-me desde logo as ideias de esquerda, e depois as sondagens e uma oposição quase temperamental às maiorias absolutas. Não é fácil de expor, mas eu acreditava que o leitor ficava mais bem servido assim, e ainda acho. Há dois anos, nas eleições para Lisboa, votei em Sá Fernandes. Na altura, foi um voto de simpatia com dois factores decisivos. O primeiro foi ter visto o candidato no meu bairro da Graça: as propostas eram práticas e sobretudo reconheci-lhe um extraordinário e pormenorizado conhecimento da cidade. O segundo factor foi o descalabro da campanha de Carrilho. Desde então, é com gosto que escrevo isto: raras vezes empreguei tão bem um voto. Sá Fernandes fez exactamente o que eu estava à espera que fizesse. Fartou-se de trabalhar, nunca me desiludiu e - como cereja em cima do bolo - denunciou um alegado corruptor, apanhado com a boca na botija. Coisa inédita, esse alegado corruptor vai mesmo sentar-se no banco dos réus. Mas, acima de tudo, vê-se que o sonho político de Sá Fernandes começa e acaba em Lisboa, e a cidade precisa de gente assim. Durante estes dois anos, fui dizendo para mim mesmo que só não votaria de novo em Sá Fernandes se caísse uma montanha. Aqui entra a parte táctica do voto: se António Costa estivesse em risco de perder esta eleição, não hesitaria em mudar a minha escolha. Se Roseta ou Ruben estivessem em risco de não serem eleitos, consideraria a hipótese de lhes dar uma mãozinha. Nenhuma das situações se verifica, e devo ainda acrescentar um motivo suplementar: Carmona Rodrigues. Quem não der garantias expressas de que não governará com Carmona Rodrigues não pode sonhar em contar com o meu voto, nem com o de muitos lisboetas. António Costa ainda não afastou esse cenário, Roseta admitiu-o. Carmona Rodrigues foi o pior presidente de Lisboa desde o 25 de Abril, e incluo nestas contas Santana Lopes, de quem Carmona foi um apoiante, branqueador e facilitador. Mas já como presidente, Carmona excedeu-se: politicamente, civicamente, administrativamente, foi sempre um desastre. Acima de tudo, votarei no domingo para virar a página sobre Carmona. Como escrevi aqui várias vezes, Lisboa tem um grande futuro. Mas só o ganhará quando cortar definitivamente com este passado.
Obs: Quis-me parecer que a sua vontade seria votar António Costa.