Histórias - por Vasco Pulido Valente -
Histórias (Público, assi.)
21.04.2007, Vasco Pulido Valente
No dia em que nasci, 21 de Novembro de 1941, Hitler ocupava quase toda a Europa e o exército alemão estava a alguns quilómetros de Moscovo. Franco tinha liquidado a República e Salazar mandava em Portugal. Ainda me lembro, distintamente, de ouvir a voz do Führer (ou de Goebbels?) na telefonia e das senhas de racionamento. Quando cresci, a guerra continuava viva na pobreza geral, nos livros, nos jornais, nas conversas da família. Sou, em primeiro lugar, um filho desse tempo. Do tempo dos julgamentos de Nuremberga, de Londres bombardeada (que cheguei a ver) e das revelações (de resto, vagas) sobre os campos de extermínio. Mas também o tempo do "existencialismo", dos caveaux de Saint-Germain e do new look de Dior, que não deixou de aparecer numa Lisboa estupefacta e remota.
Nunca perdi a memória ou os sinais desse princípio, que foi, por assim dizer, a minha introdução ao mundo. A guerra fria veio complicar as coisas. Em Portugal, a existência da ditadura impunha, na prática, a escolha de um único lado. Não se podia ser contra os comunistas pela razão primitiva e óbvia de que o regime perseguia e prendia os comunistas. Não houve ninguém, ou quase ninguém, com um resto de consciência moral, que, numa altura ou noutra, não caísse neste buraco: o buraco sem fundo do "antifascismo". Sair dele era mais difícil e muitos só saíram muito depois do 25 de Abril.
Por mim, gastei esforçadamente uma dúzia de anos no trabalho inglório de varrer a tralha política e teórica da minha cabeça. É uma parte da minha vida que se estragou e que não volta. Sou um filho da guerra fria.
A democracia portuguesa trouxe uma exagerada esperança de reforma e decência. Ao começo, mesmo a seguir ao PREC, nada parecia impedir que se fizesse um país, sem a miséria, a corrupção e a complacência do costume. Por isto e por aquilo, não se fez. Portugal conservou os seus velhos vícios, sem adquirir novas virtudes. Na minha última encarnação sou, prosaicamente, um filho da democracia falhada. Como escreveu o homem, a velhice é um naufrágio. Comigo, um naufrágio que às vezes não acho exclusivamente pessoal. Mas são com certeza momentos de megalomania. A verdade é que já não pertenço a esta história. O meu interesse é forçado, a minha presença é, pelo menos para mim, gratuita. Mas, por enquanto, não há remédio senão persistir."
- Obs: Pulido Valente diz que é um filho do séc. XX, desde a IIGM à Guerra Fria e depois filho duma democracia falhada. Agora é mais do que o naufrágio para redundar nalguma megalomania. Mas isso já nós sabíamos, e se for regado por um bom Chivas ou um Dimple três murros ainda melhor. Seja como for, apreciei este artigo de VPV, especialmente porque fez questão de o escrever passando completamente por cima desse bando de neofascistas que se agitam como se fossem jovens na fase da puberdade com acne nas trombas. Nem uma citação merecem, por isso 18 val. para o VPV. Sai mais um Chivas para a mesa do Vasco paga o Macro (e duplo..), sem gelo please..
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