O tempo do meu Sismo: 7 segundos de velocidade mental e orgânica
Envelhecemos porque olhamos para cada dia que passa de modo diferente. E não é todos os dias que temos um sismo...
Macro
Correndo o risco (reduzido) de citar-me, creio que um dos principais desafios que a soit-disant Globalização coloca ao Homem é no plano epistemológico, ontológico e até estético e metodológico. Ela altera a natureza das coisas e não apenas a forma como as vemos. Já é um lugar-comum dizer que o tempo e o espaço sofreram alterações em resultado da supraterritorialidade, a qual dissolve conexões antigas e engendra outras novas sem que nos apercebamos disso nessa revolução silenciosa.
Como resultado as pessoas vivem hoje vidas mais globalizadas e tendem a não relacionar o tempo à distância. Dantes, na década de 80, dispendíamos quase um dia para chegar ao Algarve, partindo do centro do país e pouco menos tempo para quem partia de Lisboa. De comboio a coisa também era uma eternidade de paisagem pela janela. Hoje, ao invés, as horas e os dias já não são associados às distâncias que outrora tínhamos de percorrer para chegar aos destinos pretendidos.
Então, o que se passou assim de tão relevante que alterou a nossa percepção do tempo?
É aqui que regressamos novamente à teoria social e política da globalização competitiva que atravessa várias dimensões do conhecimento, ou seja, que opera mudanças na ontologia do tempo interferindo, naturalmente, com as dimensões de tempo e de espaço. Aquilo que dantes estava preso à distância está agora mais ligado à velocidade. Os pilotos, por exemplo, pensam mais em termos de tempo do que em termos de distâncias. Mas com o mail proporcionado pela Net - fixamo-nos quase exclusivamente na velocidade e deixamos cair as distâncias. De modo que a questão já não é até que ponto os nossos correspondentes devem responder, mas quão rápido o fazem.
É assim na economia e na organização da produção - com a rapidez com que os fornecedores respondem aos clientes; com a política e os políticos - atendendo ao tempo útil que demoram a reagir, legislar e a governar em prol do bem comum. E em todos os outros aspectos e dimensões da vida em sociedade, a globalização é o principal catalizador, o acelerador de partículas, o sismo do nosso tempo. Para o melhor e para o pior neste jogo de monopólio de ameaças e de oportunidades.
A globalização tende a reforçar a nossa experiência com a abundância de tempo, removendo as velhas barreiras. Hoje um dia é dilúvio de tempo numa sinfonia de telemóveis, mails, mensagens e muitas outras transações e fluxos de informação, imagens, dinheiro, conflitos, símbolos.. A esta luz, a vida tornou-se muito mais ocupada. E a combinação entre essas múltiplas velocidades que correm em pistas paralelas reflecte a vida globalizada que levamos, até no stress - que se generalizou.
Hoje, enquanto vivenciava o meu 1º sismo às 10:35 (que durou uns 7 segundos) pensei no tempo enquanto velocidade e impacto no meu corpo e no meu pensamento, e conclui que também os sismos são globais e globalizantes, porque nos obrigam a racionalizar o conhecimento e levam-nos a promover uma reflexividade que, por seu turno, acaba por modificiar as velhas noções de espaço e tempo, e até de vida que tínhamos no passado recente.
O tempo é sempre senhor de si, o mestre dos mestres, dele apenas capturamos um fragmento embora com a ilusão de que estamos a abarcá-lo duma só vez. Pura ilusão de loucos-lúcidos em que por vez caímos depois de ter passado 7 segundos empurrados por uma mega-abanão...
De facto, não é todos os dias que temos um sismo. Não é todos os dias que podemos morrer soterrados. Poderia bem ter sido pior, mas para experiência geofísica gostaria de me ficar por aqui!!!
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