domingo

Evocação de Gabriel Garcia Marques em dia de referendo

Hoje, no dia do referendo, e apesar de não ser mulher, logo não ser tolhido por nenhum estado d'alma, como diria o egocêntrico doutor Rebelo de Sousa, veio-me à "lembradura" Gabriel Garcia Marques e os seus Cem Anos de Solidão - que nunca li até ao fim, mas ficaram algumas passagens.
Passagens da crónica de Macondo, esse povoado perdido da Colômbia que poderia ser apenas as vítimas das forças impessoais, tal como algumas mulheres quando são forçadas - pelas circunstâncias - a abortarem... No fundo, aqui a selva e o rio são outros... Mais interiroes à condição humana nos momentos-fronteira das decisões delicadas.
Toda a história de Macondo é um híbrido de uma situação fictícia que coabita com uma situação real, o sonhado - como nas nossas vidas, emerge com o documentado, o real, graças às lendas, às mentiras, aos exageros, aos mitos das pessoas, também Macondo - pela pena e cabeça de Gabu - se transformara num território do universal, ou seja, numa história quase bíblica das fundações e das gerações e das degenerações, numa história que é a da própria origem e destino humano e dos sonhos e desejos com que os homens se conservam ou destroem.
Hoje, quando estava a votar senti todo esse peso na cabeça e nos ombros, pensando que o cenário do aborto por que as mulheres portuguesas passam é o equivalente funcional daquele fardo...
Mas se perguntássemos a Gaby qual era a sua verdadeira vocação ele não iria responder que era a de escritor, mas sim prestidigitador, embora fique sempre atrapalhado ao tentar fazer um truqe, razão por que teve de se refugiar na literatura.
E se perguntássemos a uma mulher, qualquer que ela seja, se pudesse evitar a IVG - será que ela também responderia como Gabu...

PS: post dedicado a Gabu (e ao seu realismo fantástico), que não é mulher..