quarta-feira

Os novos "leigos" para o subdesenvolvimento: o síndrome do esvaziamento

"Uma Vergonha"

Confesso que fiquei abismado ao ver este texto medieval por parte do actual PGR, o sr. Pinto Monteiro. Num momento em que ricos e pobres, gente ilustre e o zé povinho fazem um esforço por se aproximar das TIC ficando assim menos distante das novas ferramentas tecnológicas que ligam hoje o nosso mundo - damos de caras com esta "vergonha": uma vergonha vindo de cima, do topo da hierarquia do Estado, do Ministério Público... De facto, não se compreende. Ou melhor, compreende: fácilmente se percebe que o sr. PGR não tem nenhum problema com a blogosfera, ele tem - sim - é um grave problema com a informática em geral, e, para isso, como diz, ele "tem uma senhora" que lhe faz o trabalho.

Ouvir isto é chocante; ouvir e ver é agoniante... Faz lembrar o que uma certa burguesia e alguns barões diziam das governanatas que desciam do Norte para servir em Lisboa e... Não pela comparação que o PGR faz entre blogues e cartas anónimas, revelando desde logo um primarismo analítico que denuncia uma iliteracia tecnológica gritante, mas pelos valores e normas que ventila para a sociedade. Parece que o senhor pretende que a civilização, os campos da comunicação, a natureza da tecnologia e dos seus instrumentos regridam no tempo só para ele se sentir adaptado. Hoje, os governos, as sociedades, as empresas e as organizações em geral, as pessoas singulares - fazem um esforço por comunicar através das TIC, posto que são os meios mais rápidos, baratos e democráticos ao acesso de todos, mas quando chegamos à teorização cibernética do sr. PGR - percebemos duas coisas: 1) os blogues são uma vergonha; 2) e ele tem uma senhora que lhe faz o trabalho. Até dá vontade de perguntar qual..

Dizer isto na Europa - num país civilizado - teria consequências sociais, políticas e morais imediatas que em Portugal, de facto, não tem. O que é a prova provada de que Portugal é ainda um país africano a fingir que é europeu, só porque integra genéticamente essa plataforma geográfica. E é aqui que lavra a minha frustração: somos, efectivamente, (culturalmente) subdesenvolvidos.

Isto diz bem da mentalidade, da cultura tecnológica e da formação humanista, da preparação cívica e cultural da gente que hoje ocupa os postos chave na pirâmide de decisão do aparelho de Estado. É, de facto, uma vergonha. E não sobrelevo aqui a dimensão blogosférica, que até é a menos relevante, equaciono sim a incapacidade de gente altamente responsável por não conseguir compreender o mundo em que vive, desconhecer por completo o que é um PC, o seu hardware, para que serve o teclado, o rato e coisas banais assim. E o sr. PGR ainda tem a lata de dizer que "é um leigo e não gosta de se meter em assuntos que não domina..."

Por que razão o sr. PGR não se inscreve num daqueles cursos do INA promovidos pelo escol do Estado que se julga elite pensante e aprende as noções e as aplicações básicas. O mesmo deveria, aliás, fazer MMendes, líder do psd, que passa a vida a dizer que Sócrates governa em estilo powerpoint quando e ele, na realidade, é bem capaz de nem no word saber mexer...

De facto, toda a mundivivência do sr. PGR neste vídeo é deslocada, não serve para o posto que ocupa, sobretudo quando hoje grande parte da criminalidade passa pelos meios e suportes virtuais.

Consequentemente, interpreto aquelas lamentáveis declarações como o síndrome do esvaziamento, em que homens de responsabilidade não conseguem mexer nos instrumentos do nosso tempo, e se não o conseguem fazer interrogo-me se também conseguirão interpretar as dinâmicas sociais - as normais e as desviantes e criminosas - que com os processos múltiplos de globalização potenciam fenómenos perigosos, ameaças e novos riscos para a vida em sociedade numa fronteira aberta em que a regra d´ouro é a mobilidade permanente.

O conteúdo deste vídeo representa um retrocesso de um século na mentalidade europeia, do homem branco, afluente, tecnológicamente desenvolvimento e rápido. Não existe ali ponta de razão, de articulação, de modernidade, de common sense, apenas se detecta uma forma brujessa de comunicar, um atavismo cultural, uma contradição nos termos, um fragmento paroquial ligado por um sem número de banalidades que fazem com que o entendimento comum do nosso mundo fique ainda mais obscurecido. Tudo aquilo simboliza um regresso às trevas do pensamento e da acção.

Daí à vergonha é um passo. Concordamos, portanto, com o título do vídeo colocado no Youtube: uma vergonha - para utilizar "o pêlo do próprio cão", segundo diz o povo. E mais: confesso que até simpatizei com a sua nomeação, começou entusiásticamente e com vontade de mudar o que está mal na sociedade portuguesa (penoso que foi o legado de Souto Moura), mesmo que hoje - ao deparar-me com esta "vergonha" e vil tristeza - me tenha sentido mal por ser português.