sábado

Manifesto anti-Dantas - Hoje acordei assim

Júlio Dantas
Almada, o genial Almada...
MANIFESTO ANTI-DANTAS
Este texto virulento do jovem Almada (que contava 23 anos) terá sido escrito entre Abril e Setembro de 1916, sendo, portanto, anterior à conferência de 1917, início oficial do movimento futurista em Portugal.
Saiu este folheto de 8 páginas impresso em papel de embrulho, ao preço de 100 reis, todo grafado em maiúsculas e utilizando aqui e além, para sublinhar a onomatopeia - PIM!-, uns ícones representando uma mão no gesto de apontar. Segundo se diz, terá esgotado nos primeiros dias, por obra do açambarcamento do próprio visado. Apesar disso, ou graças a isso, o escândalo rapidamente se propalou e a polémica causada teve uma grande intensidade.
É que, no fundo, não é só a pessoa de Dantas que é atacada, mas toda uma geração de literatos, actores, escritores, jornalistas, etc, que ele personificava: "Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi". Através da ironia e do sarcasmo, utilizando uma linguagem iconoclasta e insultuosa, abusando de exclamações, repetições e enumerações, Almada zurze o academismo instalado e os valores tradicionais que pretendia abalar.
Em suma, trata-se de um ataque implacável ao edifício cultural e artístico vigente que impedia a entrada e frutificação das novas correntes estéticas em Portugal. É Almada a abrir caminho ao Futurismo e a si próprio.(Leia-se a propósito desta querela um curioso artigo de Fernando Dacosta, que nos atrevemos a transcrever, com a devida vénia). De facto, é um texto muito rico e bem enquadrado. Parabéns, portanto, a nosso amigo Fernando Dacosta que é, de resto, e consabidamente também um grande escritor.
MANIFESTO ANTI-DANTAS E POR EXTENSOpor José de Almada-Negreiros POETA D'ORPHEU FUTURISTA e TUDO (apenas umas passagens)
BASTA PUM BASTA! UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO! ABAIXO A GERAÇÃO! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM! UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS A CAVALO É UM BURRO IMPOTENTE! UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS À PROA É UMA CANÔA UNI SECO! O DANTAS É UM CIGANO! O DANTAS É MEIO CIGANO! O DANTAS SABERÁ GRAMMÁTICA, SABERÁ SYNTAXE, SABERÁ MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS P'RA CARDEAIS SABERÁ TUDO MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELLLE FAZ! O DANTAS PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUEZAS! O DANTAS É UM HABILIDOSO! O DANTAS VESTE-SE MAL! O DANTAS USA CEROULAS DE MALHA! O DANTAS ESPECÚLA E INÓCULA OS CONCUBINOS! O DANTAS É DANTAS! O DANTAS É JÚLIO! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
(...)
O DANTAS É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO! O DANTAS EM GÉNIO NUNCA CHEGA A PÓLVORA SECCA E EM TALENTO É PIM-PAM-PUM! O DANTAS NÚ É HORROROSO! O DANTAS CHEIRA MAL DA BOCA! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM! O DANTAS É O ESCARNEO DA CONSCIÊNCIA! SE O DANTAS É PORTUGUEZ EU QUERO SER HESPANHOL! O DANTAS É A VERGONHA DA INTELLECTUALIDADE PORTUGUEZA! O DANTAS É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
(...)
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM! PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
José de Almada-Negreiros
POETA D'ORPHEU FUTURISTA e TUDO
  • Obs:Se hoje me perguntassem se este texto teria fundamento, aparte os exageros e o estilo - diria que sim. Basta que o aplicássemos a uma Europa que definha hoje a olhos vistos. Reporto-me à Europa de merceeiros, gestora do dia-a-dia, que não faz planos de contingência, não planifica, não cenariza, só gere o passivo que ela própria criou. O passivo e a carreira pessoal. Tudo por causa duma liderança débil e sem visão, que demandou a Europa por um mero erro de casting e um contexto específico: o da guerra do Iraque feita pelo desmiolado G.W.Bush. Essa Europa hoje tem nome; o seu mordo-mor é durão barroso, o Júlio Dantas dos novos tempos.