quinta-feira

De regresso à "aldeia", ao município - donde partiu tudo...

VIVEMOS SEM TEMPLOS
Confesso que apreciei o editorial do Jumento d'hoje, mais uma tonelada de lógica, sentido de oportunidade, razão e common sense. O tema também é revelador de um certo Portugal que anda por aí..., descalço e nú. Isto cola com o que um mail duma novel amiga me dizia: "já quase não leio jornais". Apesar de importantes, a sua função deixou de ser determinante, e isso aplica-se nos casos (especiais) de blogues ou espaços de reflexão que, pela sua natura, também são especiais.
Desta feita, não me reportarei às condutas e reacções de certas inaugurações, à natureza da relação entre cidadãos, governo e empresas neste teatro geral em que a política à portuguesa se transformou.
Reportar-me-ei sim às questões que continuamos a ter e aos efeitos secundários que temos resultante duma (ilusão) de maior liberdade individual. Ou seja, dantes quando tínhamos dúvidas perguntávamos às autoridades que nos esclareciam: o Estado, o Papa (via Igreja), o Empresário ou mesmo um qualquer Dalai Lama - todos eles nos poderiam esclarecer e "matar" o sentido das nossas dúvidas e incertezas. E que dúvidas eram essas? Quando casar, que nº de filhos ter, quando e onde investir, que casa comprar, que modelo de educação dar aos nossos filhos e o mais...
Parece que tudo isso mudou: o Estado foi reduzido a pó, dependente que está do capital, dos investimentos externos e da qualidade do empresariado. Vive, pois, refém, dos novos fluxos, nem sempre amigos ou (re)produtivos; o Papa - parece que vive mais para promover a colecção de material de luxo da Gucci e da Carolira Herréra e ostentar uma aviltante sumptuosidade que contrasta com a probreza humanista do seu discurso, com milhões de pessoas a morrerem em África vítimas da SIDA e HiV. Nem assim o homem promove a utilização do preservativo. O empresariado é "cigano", i.é, tornou-se cada vez mais móvel e só monta tenda onde a remuneração dos factores de produção forem mais atraentes económicamente, por isso já não liga à geografia, liga só às taxas líquidas de remuneração. Já dizia o velho Carlinhos Marx, o barbudo (sustentado pelo seu amigo F. Engels), o capital não tem ideologia - nem geografia - acrescento eu.
Significa isto que hoje já não podemos acreditar no Estado, no Papa, no empresariado, nem em Jesus, Maomé, Sidartha ou Buda. Nada já nos pode ajudar. Vivemos sem templo, e as torres que existem por aí - ou são as Amoreiras do Tomás Taveira - que lembra logo um sem número de atrocidades na cidade, a torre de S. Bento - residência oficial do PM, também parece não oferecer grande potencial de respostas aos nossos problemas colectivos. Com quem é que devo trabalhar? Porque razão não ganhamos mais? Porque não podemos comprar uma Vivenda com piscina ou um carro melhor? Ou mesmo fazer uma carreira parasita na Europa, à semelhança de durão barroso, mais conhecido como o cherne de Bruxelas.
Quer dizer, somos hoje todos pedintes de pessoas que não respeitamos intelectualmente ou até desprezamos do ponto de vista social, político e humano. G. W.Bush, Blair, Aznar, Durão barroso, Putin - tudo tipos que têm uma boa vida mas em relação a quem temos - directa ou indirectamente - de saber o que vão fazer no day-after. Até porque como são loucos, tornam-se altamente imprevisíveis, o que é mau para os mercados. Na economia, na política internacional, na manipulação das forças de mercado e num sem número de variáveis que perturbam a vida no Ocidente europeu, logo no seio da UE - agora alargada a 27 Estados membros com a adesão da Roménia e Bulgária a 1 de Janeiro de 2007.
Sendo esta gente o que é, um bando de destituídos mentais que já fez mais mal ao mundo do que bem, somos levados a crer que eles existem só para nos perturbarem e provarem a nossa paciência ante tanta incompetência e maldade. Os templos já não nos dão respostas; as forças de mercado exploram-nos mais do que atendem às nossas necessidades e desejos; o município - ou seja, a polis - (não a das ruas esburacadas e porcas da Lisboa gerida por Camona) não passa dum atafulhado de carros, ferro dobrado, ruínas, pessoas e reclamações onde nada funciona e todos os licenciamentos cheiram a corrupção.. Os jornais, as tvs e os media em geral são as empresas de maior sucesso que, malgré tout, ainda se vão safando porque o seu negócio é vender más notícias ao lado de suplementos financeiros com que pagam os ordenados aos seus jornalistas, alguns dos quais são uma ruína cultural, literária e até é melhor não pensarem nada - porque quando pensam ainda é pior.
Só nos falta pôr de gatas e perguntar ao mercado o que devemos fazer: comprar mais Microsoft, mais Mcdonald, mais Nasdaq, mas Edp, mais Galp, mais o raio que nos parta.. por onde procuramos um meio de fazer dinheiro que não seja através duma fotocopiadora Nokia no doce lar. Parece que dá cadeia...
Por vezes dou comigo a pensar que esta nossa economia real é uma replica marada do que se passa hoje na Net. Em que o meu disco rígido tornou-se, de súbito, o seu disco rígido, o disco rígido de toda a gente e de forma interactuante. O que nos leva a concluir que se a Net foi criada no "pressuposto no roubo" - somos capazes de não encontrar coisa diferente na sociedade de carne e osso em que vegetamos. Pelo que não se deve esperar grande coisa nem da Net nem do Estado, agora somos todos ladrõezecos das lojas dos 300 e do comércio chinês.
****************************************************
Uma autarquia chamada Portugal (in Editorial do Jumento)
O dr. Paulo Teixeira Pinto solicitou uma audiência ao Procurador-Geral para apresentação de cumprimentos e este concedeu-a e lá estavam os jornalistas para filmar o distinto presidente do Millennium à saída. Uma dúzia de gestores bem pagos organiza uma cerimónia no Beato e o país passa uma semana a discutir propostas que nenhum partido vai assumir e até o Presidente da República recebe o presidente da Vodfafone investido nas funções de representante da nova inteligência lusa.
O primeiro-ministro inaugura cem metros de auto-estrada e vai carregar no botão sempre que o Belmiro de Azevedo faz uma qualquer implosão (aguardemos pela implosão da PT), o ministro da Saúde vai explicar a meia dúzia de médicos como funcionam o controlo electrónico da assiduidade, o ministro do Trabalho e Solidariedade Social vem explicar como morreu a Sofia e o da Economia organiza uma cerimónia pública cada vez que se inaugura uma mercearia.
O relacionamento entre o poder, os cidadãos e as empresas é o típico de uma junta de freguesia, a comunicação social actua como um jornal local transformando o mexerico em acontecimento nacional, os ministros transformam-se em governantes de trazer por casa, o país tende a transformar-se numa autarquia. As nossas televisões dedicam a véspera do Ano Novo a contar os foguetes que vão ser disparados e começam um ano com um filme pornográfico para que os portugueses iniciem o ano aliviando as suas mágoas.
Se ao nível nacional todos nos comportamos como se Portugal fosse uma junta de freguesia, o contexto internacional também aponta nesse sentido, muito do que influencia o país é consequência da decisão de terceiros. Não são os portugueses que elegem o presidente dos EUA mas este influencia mais a sua vida do que o nosso presidente da República, foi ele que marcou a vida do país nos últimos anos e ainda andamos enrolados a tentar saber quantas vezes a CIA usou os aeroportos ou o espaço aéreo nos seus voos “turísticos” com destino a Guantánamo.
A política monetarista do Banco Central e o constrangimentos decorrentes do Pacto de Estabilidade e Crescimento reduzem a política económica a pouco mais do que a uma gestão de mercearia, a maior ambição de um ministro das Finanças é ouvir um elogio de Joaquín Almunia (Comissário Europeu para os Assuntos Económicos e Monetários) e qualquer funcionário da Comissão fala de Portugal como se fosse o presidente da FPF a referir-se ao Gil Vicente.
É um facto que somos um pequeno país, das dimensões geográficas que a história nos reservou não nos podemos livrar, mas poderíamos ser um povo com a grandeza que gostamos de evocar para espantar as vergonhas que nos afligem, poderíamos ter mais ambição e evitar a pequenez em que nos estamos a transformar.