Sociedade de corte e tributo a Norbert Elias
Depois duma saltada ao espaço de reflexão Sobre o tempo que passa colhi alí inspiração num autor que conheço mal, mas que é de peso e de valor referencial. Refiro-me ao potente sociólogo Norbert Elias, o homem do processo civilizador. Aliás, creio convictamente que é com os filósofos e os sociólogos com quem hoje (e sempre) mais se aprende, o resto é "paisagem". Consabidamente, e como sublinha Adelino Maltez, os tugas andam à "caça do subsídio e da padrinagem" para assim terem o pão de cada dia. Uns fazem-no com mérito próprio (neste casos é legítimo); outros, num exercício de pura corrupção de almas (i.é, de forma ilegítima); e outros ainda, como diria Francisco Sousa Tavares (pai do actual jornalista que anda pra aí a desanacar na blogosfera que nem sequer conhece ou confunde com os chats...), não fazem uma coisa nem outra porque simplesmente estão "sentados à manjedoura do Estado" - que lhes serve os devidos fardos de palha a tempo e horas, salvo o devido respeito pelo Jumento. Creio que o autor utilizava essa formulação para os militares, classe estéril - então como agora. Mas há excepções, naturalmente.
Mas não deixa de ser interessante como alí se faz "rimar" cultura (o que agradará à queirosiana Isabel Pires de Lima, uma universitária e mulher do Norte e agora ministra da Cultura) com o PIB - estando de permeio aquele conceio da sociedade de massas que são as "indústrias culturais" (música, livro, video, jogos, consolas, turismo, 7ª Arte e o mais, talvez meninas ao domício, sei lá...) - tão típicas pelas fnacs deste nosso querido Portugal. Também aqui a paisagem cultural nacional mudou, mas nem por isso se fala e escreve melhor, nem por isso se lê mais Eça e outros bons escritores portugueses de alcance universal. E aqui não meto zaramago, o português mais espanhol da península.
Mas a evocação de Adelino Maltez, que "anda desaparecido" (e quando assim é, é porque anda letra no prelo) não serve para falar nem de zaramago nem de Isabel Pires de Lima (que teve a coragem de enfrentar o boçal Joe Berardo embora sem grande eficácia política, porque o peso do dinheiro alí foi esmagador) - e a quem aquele diz que a cultura é uma "fatalidade como as bexigas" - sempre que a ministra da Cultura lhe pede ajuda para divulgar a cultura nacional. Aqui o nóbel é igual a ele próprio: um ser que padece de humildade e até de algum conhecimento, cultura e sabedoria que manifestamente não tem. Pobre zaramago que nem a merdinha duma pontuação consegue alinhar. Mas adiante..
As coisas são como são, e aqui o que que sobreleva é mesmo o legado do sociólogo e historiador Norbert Elias - um dos alicerces do pensamento contemporâneo que nos ajuda a perceber a posição e o papel do status, do prestígio, dos símbolos, da etiqueta, enfim, da estruturação da cadeia de actores, modelos, conceitos e processos de interpenetração - com as normas pelo meio - que se estabelecem entre a mediacracia e os políticos, os empresários e a generalidade dos agentes sociais e culturais duma sociedade. E, indirectamente, também a forma como o processo de produção de informação é assegurado..
Nesta sequência de processos mais ou menos civilizadores, com muitos auto-controles pelo meio, ontem vi algo que me fez cair da cadeira (a rir e a chorar ao mesmo tempo): na origem dessa excitação informacional esteve a forma esfusiante como a srª dona Judite de Sousa apresentava o seu candidato - Santa Lopes - para a sua grande entrevista d'hoje na rtp (a estação do Estado paga com os nossos impostos), na sequência do lançamento do livro daquele. Enquanto via aquela montra só me lembrava daquela senhora que vende cobertores, mantas e lençóis na Feira da Ladra aos Sábados de manhã. Confesso que não me ocorria pensar noutra coisa: na leiloeira da Feira da Ladra...
É precisamente aqui que entram em jogo as correlações (históricas, sociológicas e psicológicas) de Norbert Elias, posto que ele não analisou só a corte de Luís XIV, o Rei-Sol, nem a sua datada estrutura de símbolos e etiquetas, mas também, e sobretudo, a rede de relações sociais e as suas interdependências numa notável síntese de erudição história e de teoria sociológica. Ora, o exemplo espampanante da apresentação dessa entrevista por Judite de Sousa - que mais parecia estar alí a vender frascos de perfume (macaco) Esteé Lauder trazidos pelo dr. Seara de Chinatown quando em 1988 viajou até aos States numa visita de estudo integrado num curso de Relações Internacionais - foi nítidamente desproporcional. Gratuita, até...
Impõe-se perguntar a dona Judite porque o fez? Porque razão ela e a direcção de informação da RTP resolveram conceder um destaque verdadeiramente desproporcional à promoção da entrevista de Santana Lopes à estação do Estado, mais parecia um spot Pub., acerca da vinda do Papa alí ao Parque Eduardo VII...para inaugurar uma estátua de bronze, ou até para substituir a do Marquês de Pombal - que estraga a vista do rio Tejo por quem o avista do topo do Parque Eduardo VII - sítio mui mal frequentado por políticos na reforma com assento em algumas estações de tv do grupo bolsa na mão.. Também deverá haver bom senso nestas apresentações televisivas, e dona Judite mostrou não estar nessa posse.
Creio que Norbert Elias, mais uma vez, nos dá o quadro teórico da resposta para este exagero de dona Judite. É que a mediacracia usa e abusa sempre que procura efeitos mediáticos com as suas próprias manifestações e exuberâncias editoriais - que entram no domínio do exotismo político e até da alarvidade comunicacional. Se atentarmos bem, os media passam a vidinha a parasitar os políticos (até aqueles que caíram em desgraça mas ainda vendem Pub., - até pelo efeito de psicodrama que desenvolvem) e Santana Lopes caíu nessa armadilha - porque a RTP precisa de combater o share da sic com a entrevista a Cavaco Silva à mesma hora.
Se quisermos alargar a malha analítica de Elias - aplicada ao caso da apresentação desproporcionada da entrevista de dona Judite a santana Lopes - um e outro aposto que nunca ouviram falar de N.Elias, nem em sonhos, constatamos que a sociedade de corte não é uma relíquia do passado, funciona aqui como a necessidade vital que os media têm de funcionalizar os seus inputs & outputs (económicos, financeiros/shares/audiências/capital de atenção/Pub.) no quadro da concorrência no sector (sic e tvi).
Aquilo que eu vi na manifestação exuberante de dona Judite naquela apresentação exótica da grande entrevista, como se estivesse alí a apresentar a vinda de um estadista a quem Portugal muito deve (e não o contrário) foi, em rigor, uma formulação antiga que se aprende com os clássicos da comunicação e que muita gente revela desconhecer: o tempo tem dois poderes: num tempo os media destruíram Santana; noutro, o tempo tenta reconstruí-lo - para o parasitar novamente nos media. Bem sabemos como o visado não resiste a isso... O visado, porque ainda está alienado, nem sequer percebe que está sendo utilizado na guerra de audiências e que depois ninguém mais se vai lembrar dele para construir o que quer que seja. Foi um biblô que se usou e depois fica alí, arrumado no canto da sala para onde nunca mais ninguém olha. Foi assim que interpretei esse jogo de corte que a rtp fez com SLopes, a fim de melhor rivalizar e competir com a sic e tvi na luta pelo mercado das atenções e das receitas de Pub., e, ao mesmo tempo, fazer um bom serviço perante o Príncipe (Sócrates). Hoje são, de facto, estas formas que pautam o ritmo de relacionamento da mediacracia com o meio político, em que uns ditam as regras a outros, replicando condutas e gestos num mimetismo político que por vezes enfastia. Até parece que aprenderam todos pela mesma bitola de cortesãos hoje travestidos de novos grupos sociais, de novas corporações. É proíbido ameaçar físicamente quem quer que seja, mas recorre-se intensivamente à violência psicológica, larvar, elaborada com o autoconstrangimento - ontem visível naqueles suspiros de SLopes - para não mandar à merdinha dona Judite - que o convidou para o entalar e fazer receita de casa cheia à custa do mono. É assim que a mediacracia actua, assente nesta lógica triturante do espectáculo de que já nos falava Guy Débord (que teve um fim triste) - em que por vezes há uma inversão de papéis - com os jornalistas a quererem ser os políticos e a comportarem-se como tal. Sempre que vejo o sr. Carlos andrade na Quadratura do círculo fica-se com essa sensação: o homem nunca soube o que era ser moderador, por isso só intervém e de forma lamentável, como um automatismo que já não se consegue evitar. As molas da vaidade e da soberba acabam por dar esse impulso - que perpetua e adensa os níveis de incompetência nessa arte e técnica de comunicar em público. Os grandes políticos precisam sempre de ter dúvidas, e é nesses momentos que precisam de se distanciar para se cultivarem, para lerem, para aprenderem aquilo que nem a vida política nem a faculdade lhes ensinou. Nesses momentos as fidelidades são frágeis e aleatórias, por isso é sempre mau agoiro recair no ninho da cobra da mediacracia vigente - que quando precisa não hesita em parasitar o que quer que seja, até um galo depenado e já sem vigor e frescura abandonado no meio dum galinheiro.
Eis o modelo de sociedade de corte servido a frio por algumas estações de tv que operam à pala dos nossos impostos. E tudo para quê??? As estações aumentam o share e fazem mais umas negociatas em receita de Pub; os convidados resofisticam o psicodrama. Mas, bem vistas as coisas, a quem aproveitou esta entrevista de Santana? Alguém pensará que Portugal ganhou algo??? Se sim, então é porque estamos todos loucos, e para louco já nos bastou um governo que andou por aí aos solavancos - que par hazard - também se cruzou em Belém com outro louco maior ainda. Há mesmo quem defendesse que Portugal nesse tempo era uma nave de loucos... Voando sobre um ninho de Cucos... Se olharmos bem para as caras das pessoas (de então) percebemos o resto.
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