quarta-feira

Eleições norte-americanas, Iraque & security

Mais um eficiente artigo de VJS. Vale a pena.

A democracia não é unanimista

Vicente Jorge Silva
Jornalista
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Hoje, na América, apenas um punhado de republicanos empedernidos e subitamente caídos em desgraça - como Rumsfeld, providencial bode expiatório do desastre iraquiano, o vice-presidente Dick Cheney ou o "genial" estratega Karl Rove - não reconhecerão que o desaire eleitoral do passado dia 7 foi um castigo justo. O próprio Presidente Bush já parece admiti-lo, mero refém que afinal foi das culpas e equívocos alheios, enquanto os neocons de aquém e além-mar fazem um coro ensurdecedor de recriminações contra os erros colossais que custaram à direita americana a perda do Congresso. Até um encarniçado editorialista português, conhecido pelo seu militantismo pró-republicano e a favor da cruzada no Iraque, acabou por descobrir que se tratava de uma "derrota merecida". Não é, porém, um caso raro.
A velocidade com que se troca de máscara e se muda de pele é verdadeiramente estonteante. Passado, memória, coerência de princípios e opiniões, verticalidade de coluna, tudo é arrastado no vendaval. Como é inebriante estar-se com o poder dos vencedores e como é insuportável acabar-se do lado dos derrotados. Daí que a derrota seja sempre "merecida", porque alguém - que não nós - tem de pagar o preço dos mitos e ilusões que cultivámos. É uma história antiga como o mundo.
Sabe-se que não há nenhum cenário favorável para uma saída airosa do vespeiro iraquiano, há apenas cenários catastróficos e outros mais ou menos desastrosos. A grande maioria do povo americano e dos seus representantes eleitos - incluindo algumas das estrelas do Partido Democrático, como a favorita às presidenciais de 2008, Hillary Clinton -, sem esquecer os principais mass media do país, estavam ao lado da Administração Bush quando esta decidiu a invasão do Iraque. O 11 de Setembro criara um clima tal de intimidação na sociedade americana que só uma minoria de cidadãos se atreveu a arriscar a dissidência e a acusação de antipatriotismo difundida por uma campanha orwelliana, associando a cruzada contra o regime de Bagdade com a guerra contra o terrorismo. Suscitou-se um ambiente de medo e suspeita generalizada, propício à violação sistemática dos direitos e liberdades civis nos Estados Unidos e à admissão da tortura contra alegados suspeitos de terrorismo, que ameaçava precipitar a América numa deriva onde a histeria policial e a histeria religiosa apareciam intimamente interligadas.
É por isso que é tão difícil, depois desse longo e anestesiante unanimismo, acordar para o day after eleitoral. A derrota dos republicanos constituiu, decerto, um despertar e uma catarse da consciência americana perante o desastre anunciado - não apenas no Iraque mas dentro da própria América. Mas com o fiasco clamoroso da cruzada "democrática" no Médio Oriente, a América arrisca-se a perder a face e a comprometer duradouramente a sua autoridade e influência hegemónica, sendo coagida, enfim, a negociar com os inimigos jurados da Síria e do Irão - como combater agora o ameaçador programa nuclear islâmico? - um compromisso de retirada progressiva do inferno iraquiano. Ou seja: desenha-se uma espécie de quadratura do círculo para o final do mandato de Bush e a próxima Administração, ainda mais intrincada do que foi a saída do Vietname.
Um dos custos do unanimismo é a erosão da democracia. Seja numa potência imperial, seja num partido político. Assim, e salvaguardadas as devidas distâncias, o panorama que o Partido Socialista ofereceu no seu último Congresso indicia o acomodamento acrítico e a rarefacção do debate democrático, favorecendo o autismo e a arrogância de um poder excessivamente personalizado. Isso não constitui decerto uma situação absolutamente inédita em Portugal - ou noutras paragens. Mas, no PS, nunca se terá chegado a um unanimismo tão exacerbado e irreal, só quebrado por duas excepções simbólicas e quixotescas.
Em democracia, todas as celebrações unanimistas - com base numa unidade forçada ou de fachada - acabam mal, como se viu, noutro plano, com George W. Bush. No dia em que o líder providencial, temido, indiscutido, mas isolado na sua torre de marfim, mostrar que deixou de ser invulnerável, começa a noite das facas longas e o desfile dos embuçados. Na sombra das esquinas, espreitam não apenas adversários que transitoriamente fingiram uma fidelidade hipócrita, mas sobretudo aliados e cortesãos fervorosos, esses que não sabem viver fora do doce aconchego do poder. José Sócrates que se cuide. E, já agora, que aprenda com as lições imperiais americanas, repensando o bizarro apreço que há dias confessou pelo respeito modelar que a Administração Bush tem votado aos direitos humanos. (A propósito: alguém se incomodou com isso no Congresso do PS?).
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Dum ao outro venha o diabo e... Sampaio investiu no poder quem não devia, por entre hesitações titubeantes, bem ao seu estilo; Lopes aceitou (monárquicamente) um cargo para que não estava preparado: governar. Isto também não deixa de relevar para a questão da mentira do poder, sendo que a procura de uma satisfação egoísta será a explicação mais plausível do fascínio do poder. Todas as demais razões remetem-nos para os pretextos da comédia em que hoje - um e outro - se transformaram. Um finge que trata a tuberculose no mundo; o outro edita livros com a chancela de uma ex-comunista (dona zita, hoje no psd - que se converteu num albergue espanhol) sobre um tempo político que é para esquecer. Em breve a História julgá-lo-á numa nota de pé-de-página.
Cremos que toda essa gente deveria indemnizar Portugal pelos danos de imagem e de governabilidade que efectivamente lhe causou.Creio mesmo que na próxima revisão Constitucional se deverá introduzir um normativo que dê cobertura a esse tipo de danos políticos pelos agentes que, por vezes, assaltam o poder em Portugal.
Sampaio não queria mesmo Santana Lopes como primeiro-ministro:

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A história da ascensão e queda de Santana Lopes do pedestal de primeiro-ministro, e contada pelo próprio no livro que lançou ontem, tem outra versão segundo as palavras do ex-presidente da República que o fez tombar. Em entrevista ao DN, em Março deste ano, Jorge Sampaio rejeita a tese santanista de que a sua demissão foi urdida nos bastidores por um conjunto de personalidades interessadas no poder. Mas há um ponto no qual as duas versões convergem: Sampaio queria uma alternativa a Santana quando Durão Barroso anunciou que partia para a UE."Durão Barroso disse mais [sobre a sua substituição]: que Jorge Sampaio perguntou pela possibilidade de realização de um congresso que escolhesse a nova liderança, ideia aliás coincidente com a posição defendida por Marques Mendes e por outros que se opunham à minha nomeação", refere Santana Lopes na obra Percepções e Realidade. [...]
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Os negócios da República:
Polícia Judiciária faz buscas em consórcio que ganhou o SIRESP
Eduardo Dâmaso, Licínio Lima e Carlos Rodrigues Lima
O negócio de adjudicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), uma rede de comunicações que irá ligar entre si os principais organismos de socorro do País, está envolto em polémica. A Polícia Judiciária (PJ) procedeu a buscas na semana passada na Sociedade Lusa de Negócios (SLN), a empresa que lidera o consórcio com que, a 3 de Julho passado, o Ministério da Administração Interna (MAI) assinou um contrato de 485 milhões de euros para a instalação daquele sistema. As autoridades suspeitam da prática dos crimes de corrupção e tráfico de influências neste caso.
O DN apurou que as buscas envolveram as restantes empresas do consórcio e que elas foram feitas no âmbito de um inquérito aberto há mais de um ano e dirigido em exclusivo por um magistrado, dos quadros de inspecção do Ministério Público, nomeado pelo ex-procurador-geral Souto Moura. Esta iniciativa é explicada pelo facto de um dos eventuais arguidos no caso poder vir a ser o homem que viabilizou o concurso, Daniel Sanches, ex-ministro da Administração Interna e magistrado do Ministério Público que chegou a ser director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Esta iniciativa do então ministro foi assumida depois de um parecer jurídico oral positivo do magistrado Mário Gomes Dias, auditor jurídico do MAI e eleito na semana passada para o cargo de vice-procurador-geral da República (PGR).
Ainda no tempo do Governo de Santana Lopes, o então ministro das Finanças, Bagão Félix, e o ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, assinaram o contrato de adjudicação por cerca de 600 milhões de euros. Isto aconteceu três dias após as eleições legislativas de 20 de Fevereiro. Os ministros adjudicaram, por despacho conjunto, o contrato de "concepção, projecto, fornecimento, montagem, construção, gestão e manutenção do sistema integrado de tecnologia trunking digital das redes de emergência e segurança de Portugal ao consórcio composto pelas empresas Motorola, PTVentures, SLN, Datacomp - Sistemas de Informática e Esegur - Empresa de Segurança".
É o que consta do despacho 219/2005, assinado a 23 de Fevereiro. Antes de integrar o Governo, Daniel Sanches era administrador da Pleiade, uma sub-holding da SLN - holding que controla o Banco Português de Negócios (BPN). Dias Loureiro, ex-ministro da Administração Interna de Cavaco Silva e actual deputado do PSD, é administrador não executivo da SLN, um grupo presidido por Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva. [...]
Neste sentido, António Costa manteve o acordo com o mesmo consórcio, mas este foi renegociado.Assim, a 3 de Julho deste ano, foi assinado um novo contrato de adjudicação, desta vez por 485 455 000 euros , acrescido do IVA à taxa em vigor, repartida por 15 anos, com início em 2007. Mas, para a PJ, nem tudo está ainda claro.