quarta-feira

Relojoaria política: uma troika de paradoxos na política à portuguesa

O exercício do poder sempre se mostrou delicado e requer forte intuição e flexibilidade. Complacências insulares (tipo Al berto joão, fazer oposição para as sondagens) redundam num fracasso. Esta será uma das razões pelas quais só muito dificilmente MMendes será PM de Portugal. Mas hoje enquanto via fragmentadamente o debate do OGE não deixei de me perguntar quantos milhares de portugueses melhor preparados intelectual, técnica e políticamente existem comparativamente aquela turba de deputados - que alinham pela palmaria e pela pateada - transformando o hemiciclo numa feira de cavalos...
Intui que seriam muitos milhares... Mas antes de explicitarmos a razão pela qual as pessoas têm reacções contraditórias é útil notar em três paradoxos que informam a noção de crise (política) múltipla em Portugal. A qual tem empurrado o processo de mudança - nem sempre no melhor sentido - mas que ajuda a explicar o ponto em que nos encontramos e que tem tornado a governabilidade (da política, da economia e da sociedade) tão insustentável. A saber:
1. O paradoxo democrático - revela que o mecanismo da selecção do escol dirigente através dos velhos procedimentos democráticos, que alinham com os grandes números que comportam a multidão de eleitores que decidem quem é o poder num dado momento, constroem uma base de legitimidade necessária para o exercício duma vontade e de uma autoridade políticas que prossigam uma estratégica de modernização. A qual, para ser eficaz, teria de contrariar a maioria dos interesses actualmente estabelecidos, e que foram fixados num contexto histórico diferente do actual. E isto é tanto válido para os empresários e patronato como para os sindicalistas da CGTP (e doutros grupúsculos afectos ao pcp) que têm multiplicado arruaças contra o PM com o fito de o atacar pessoalmente pensando que assim travam algumas reformas em curso e mantém privilégios adquiridos. Tamanho erro... . E aqui até dá vontade de citar um "amigo" que diz que estes nossos sindicalistas lusos não podem andar a bater com a cabeça na parede. Neste contexto, talvez não fosse má ideia reler um interessante artigo-ensaio de António Vitorino publicado há dias no DN sob o título - As memórias do sr. Scargill.
2. O paradoxo tecnológico - diz-nos que quanto mais intenso for o desenvolvimento das chamadas tecnologias da mobilidade mais difícil se torna para os dispositivos de regulação existentes - que foram concebidos na base do controlo de dinâmicas que deixaram de ser territoriais e passaram a ser "atmosféricas" - que hoje já não se encontram referenciadas a fronteiras ou a países, para passarem a obedecer a múltiplas tonalidades de cores na paleta da competitividade e das capacidades de atracção de capitais e de de know-how.
3. O paradoxo da modernização - mostra-nos como a promessa de preservar os equilíbrios sociais do passado conduz a uma utilização defensiva e corporativa (daí a importância do sr. A. Scargill, sindicalista mineiro ao tempo de Margaret Tactcher) das profissões, dos estatutos e privilégios adquiridos, dos mercados de bens e daqueles que estão mais ou menos imunes aos efeitos da competição em contextos de mobilidade, i.é, de globalização competitiva. Mas (há sempre um "but") com a consequência de se provocar uma descontinuidade ou ruptura nas trajectórias de modernização das sociedades que as empreenderam ou que de algum modo as puseram em marcha. Ora, é desta constatação que decorre a perda de posições na hierarquia dos poderes no sistema de relações internas e internacionais - que hoje se projectam na esfera da globalidade e, por extensão, determina que condições e normas "fabricam" condições de atractividade de que dependem o sucesso das regiões, dos países e dos blocos regionais e dos grande espaços.
Por outro lado, cada um destes três paradoxos gera suficientes factores de instabilidade para questionar a garantia dos agentes políticos que prometem uma resolução simples para os problemas hoje colocados à governação. Daí a crise ser múltipla porque composta por múltiplos componentes, não é como uma fonte única que pudesse ser controlada ou manipulada por diques que encaminhariam assim o curso das águas, em função das necessidades e dos interesses. E é esta necessidade que tem levado a muitos enxertos e transplantações na política à portuguesa.
Mas esta articulação na troika de paradoxos, ainda assim, não explica a nossa formulação inicial: a de que muitos de nós depois de ouvirmos alguns dos "artistas" que debitam sound bytes no Parlamento faríamos, seguramente, muito melhor. E é aqui que a malha analítica se estreita e o nível de explicação se sofistica.
Vejamos: é sabido que o político não pode deixar enfraquecer a sua imagem, apagar-se ou até degradar-se - seja pelo que diz, seja pela forma como diz e gesticula, enfim, pelo modo como comunica. Ante isto, as pessoas, o povo português, têm reacções diferentes, contraditórias relativamente aos políticos que têm: gostam, mas ao mesmo tempo, criticam a ambição daqueles que os dirigem. Ou seja, o povo gosta de se rever nos políticos - porque são feitos à sua imagem e semelhança, mas apreciam também que eles - os políticos - sejam diferentes do povo. Por isso os tratam com deferência e alguns como se de divindidades se tratassem. Mas não deixam de ter inveja da sua influência, poder e autoridade. De modo que há aqui uma nítida relação esquizofrénica de amor/ódio entre povo vs políticos (governados e governantes) - porque aquele gosta daqueles que inveja e às vezes odeia, e não é só em pesadelos.
É aqui que nasce uma questão relevante para a filosofia política: porquê, então, confiar o seu voto no destino daqueles em quem somos em tudo idênticos? "Mal por mal, estamos cá nós", dirá o Zé povinho de Bordalo Pinheiro...
A escapatória para isto não é fácil, ou seja, a conquista do poder só é legítima se for portadora de um projecto de futuro, que seja novo, vigoroso e transmita esperança às populações. É isto que não se vê na Europa actual - por uma gritante falta de liderança de barroso e da generalidade dos actores politicos europeus. Nada alí é inesperado, tudo é previsível, velho, gasto. Parece até que todos se formaram na escola do maoismo.. Dentro de portas reconhecemos o impulso reformador do governo socialista mas há aí uma questão de "quadratura do círculo" que deveria ser melhor ponderada por forma a que não fosse a classe média a suportar aquilo que bem poderia ser suportado pelas chama classe A (++).
Ante isto, que fazer - como diria Lenine? Perante as hesitações, e desconhecendo que caminho trilhar, recomenda-se sempre que se seja natural...