quinta-feira

Percepções, realidades e traições. O poder e o declínio de Santana Lopes

Ainda estamos a preparar os arquivos. De momento, fica em narrativa aberta. Mas uma coisa é certa: o teatro perdeu um vulto e a política não ganhou nada...
Ainda antes do Natal analisaremos mais um exercício de simulacro da realidade.
Vi a entrevista de Santana Lopes - que foi uma esperança para quem como eu tem hoje 40 anos. Viu-o distribuir panfletos na feira de Carcavelos numa 5ªfeira nos idos anos 80 - quando se atirava ao Parlamento Europeu de que foi eurodeputado. Depois foi uma carreira com altos e baixos: muito jet-8, muito show-of e psicodrama, muito teatro e pouco sumo. Pelo caminho ficaram um monte de coisas inacabadas. Hoje está um homem mais velho, mais sereno, mais contido, mais domesticado, mais racional e menos emotivo. Mais cansado. Até parece que andou a ler o processo civilizatório de Norberto Elias e até Sigmund Freud.
Santana Lopes apresentou-se diante das câmaras com um bronze de solário, cheio de mágoas contidas multiplicando meias verdades e revelando uma obsessão em não querer ver a realidade que o circundava.
Recordemos algumas das suas tiradas:
"Durão Barroso foi irrepreensível".
Ficou-lhe bem dizer isto de quem lhe entregou o poder de mão beijada, não o fazer seria revelar ingratidão para com o seu arqui-rival e isso na tv é fatal, optou pelo cinismo e pela hiprocrisia política, e deu cobertura ao paradoxo político. No fim da entrevista usou do mesmo critério, ainda que encoberto sob a moralidade cristã, para chamar traidor a carmona que hoje destruíu o consenso para governar Lisboa.
Depois teve outra frase verdadeiramente clínica acerca de durão:
"ele não se estava a movimentar".
Ora barroso não fez outra coisa senão mexer-se, até fez a tal cartinha dos 5 ou dos 7 em apoio de G.W.Bush para assim granjear a sua cumplicidade depois corporizada na Cimeira dos Açores que o catapultou para Bruxelas. Quando santana diz que barroso não se movimentou deve estar a querer-nos convencer de que também os atletas são paralíticos. O dr. santana terá de ser mais cauteloso porque nem todas as pessoas aprenderam política, psicologia e relações humanas em geral pelos seus livros.
Na altura, o governo português estava formalmente apostado em apoiar aquele que intelectualmente estava melhor preparado para o exercício do cargo, António Vitorino - que também não se pôs em bicos de pés para granjear os apoios necessários e ser o eleito. Seja como for, não foi AV quem ficou a perder - foi a Europa, foi Portugal e até as relações da Europa com o mundo. Resultado: hoje o mundo olha para a Europa e só vê uma coisa: paralisia, monotonia e isso tem nome e rosto: Durão barroso.
Portanto, também aqui Santana não foi nem verdadeiro nem rigoroso nas suas erráticas articulações políticas - que, apesar da idade, são sempre pouco rigorosas, i.é, muito trapalhonas. Durão há muito que minava o terreno e trabalhava subterrâneamente na sua eleição para a Europa (onde emocionalmente já se encontrava), na América e com Blair para vir a ser o eleito. Santana ou não percebia nada de relações de poder na Europa - alienado que estava com a expectativa excitante de poder vir a ser PM, ou também não podia reconhecer as sacanices de quem lhe fez a oferenda sob pena de minar toda a sua justificação política. Santana pode ser parvo, mas também não é estúpido. Não percebo porque razão ele deixou avultar ambas as coisas ao mesmo tempo na entrevista...
Vi naquele entrevista alguém arrasado, esfrangalhado, cercado por Belém (sampaio), pela sociedade que nunca o aceitou sem eleições, por alguns ministros que nele não reconheciam liderança nem credibilidade, pelo empresariado, pela banca, em suma, por todos os agentes de poder. Todos teceram uma coligação negativa para o derrubar, porque governar monárquicamente numa República sempre foi tão paradoxal quanto problemático.
Foi mesmo aviltante ouvir santana dizer - ou melhor - pedir licença a sampaio se podia fazer a marcação da sua visita à Túrquia por causa da adesão desta à UE... Parecia uma criança pedindo autorização aos pais se podia comer outro chocolate. Ninguém o escutava, todos tinham um ascendente sobre ele: sampaio fazia-o colapsar a qualquer momento; Durão ficara seu credor metendo-lhe uma bomba atómica debaixo do travesseiro; e PPortas era um fiel duma balança que fazia supôr que um pequeno partido mandava mais do que um grande partido no seio da coligação. Tudo era adverso e espinhoso para santana.
Depois santana continuou a não querer enxergar a realidade, certamente porque tinha alí de reconhecer uma eterna gratidão a durão que lhe deu o poder, quando disse outra bujarda:
"Barroso não ir para Bruxelas era um crime de lesa-pátria" - sic.
Lopes tem tiradas destas e depois quer ter um pingo de credibilidade política. Assim, é impossível. Crime de lesa-pátria foi o que "fujão" barroso fez, abandonando o barco quando as contas públicas da nação exigiam perseverança, solidez e tenacidade. Cobardia e alta-traição foi ter partido. A sedução e o apelo da Europa e do estrangeiro foi mais forte. Hoje a Europa está pior - precisamente pela acção de durão, Lopes ficou politicamente destruído e o entrevistado ainda tem a inconsciência política de dizer uma barbaridade daquelas...Revelou inépcia política.
Depois, mais dois factos encadeados entre si: o artigo da boa e má moeda de cavaco ao expresso e o affair Marcelo - que levou a uma dupla fragilização de Lopes via comunicação social. Pelo meio ficaram umas declarações torpes e verdadeiramente suicidas de Gomes da selva contra Marcelo (via cabala) - que se demitiu da TVI - e até se fez receber por Belém horas antes de Belém receber o próprio PM, SLOpes. Logo isto, no plano da cortezia, diz tudo acerca das intenções de sampaio. Só um cego não percebia...
MMendes, por seu lado, também fazia o que podia internamente para despachar Lopes do partido e de S. Bento. Tinha ambições - que se revelaram depois assumindo a liderança do psd. Já para não falar da extrema cortezia de sampaio por cavaco - como que a desprezar SLopes ainda no seu papel formal de locatário de S. Bento.
Mas a tirada mais grave de SLopes foi talvez quando ele pediu aos portugueses para lerem o seu livro até ao fim. Aqui disse - como cavaco - safa))). Será que Lopes pensa que os portugueses são todos tolinhos, como muitos dos seus ex-ministros!! Ler o seu livro implicaria comer o vomitado político que milhões de tugas assistiram em directo no terreno durante o desgoverno daqueles meses que mais pareceram uma eternidade. A não ser que o narrador conte efectivamente outra estória... Mas com a chancela de dona zita seabra - especialista e recontruir a verdade - à boa maneira soviete - nunca se sabe. Tudo é possível, até dizer que o mesmo autor se vai candidatar ao prémio Pulitzer ou mesmo ao nobel da literatura na sub-espécie de ovnis políticos. Pois se zaramago ganhou, porque não santana?!
Depois referiu mais uma meia dúzia de generalidades que revelam algumas conclusões que urge sistematizar:
1. Santana não sabe perder o poder, porque precisa sempre dum alibi, dum pretexto para se afirmar. Só que em vez disso mergulha num turbilhão de contradições - iguais às que presidiram a todo o seu mandato, desde logo aquela sua degradante tomada de posse.
2. A rede de relações pessoais que tinha de gerir - com amores, amizades e intrigas prenunciava um fim à vista, mesmo que a sua vontade de dominar fosse grande, os resultados eram magros - porque a desorganização se impusera no seio do governo.
3. Depois a auto-imagem de santana apontava para ser um guia e acabou por ficar refém de jogos de interesse e de intrigas que vieram a revelar-se insuperáveis no terreno político.
No fundo, SLopes nunca se cansara do poder, mas o poder já há muito que estava cansado dele. Mas é óbvio que ele também tinha algum capital de queixa relativamente a Sampaio (além de Marcelo que domingueiramente o molestava na tvi com as suas farpas). As hesitações titubeantes de sampaio - que é um homem estruturalmente indeciso, hesitante desgastaram-no, e isso sopesou na sua relação com Belém - de quem sempre esteve refém.
Santana não estava preparado para governar Portugal. Nem durão estava, mas isso só prova que o sucesso da impreparação somou-se ao insucesso da investidura - o que lhe toldou ainda mais a capacidade de discernir políticamente sobre os actos de governação, os seus colaboradores e os desafios que se colocavam a Portugal.
Costuma dizer-se que o poder encandeia quem o exerce, mas também estimula as forças e energias contidas. Não foi o que sucedeu no governo da "incubadora" de Santana. Em que tudo era motivo de chacota, até as metáforas.
Não escondo, porque sou humano, que houve uma parte da entrevista em que me deu pena ver alí quase prostrado alguém que sempre se bateu com estardalhaço e alguma valentia mas, na realidade, sempre soubemos quem era santana Lopes: um orador entusiasmante mas não um líder técnica e intelectualmente preparado para governar um país. Faltou-lhe algo... Não um ferrer roché, mas, essencialmente, um olhar frio sobre si próprio. Pois um dos grande problemas de certas pessoas é levarem-se muito a sério. E depois enganam-se - nuns casos por execesso de orgulho e de auto-confiança, noutros casos por ilusão e um erro de avaliação estratégico - recusando depois reconhecer esse engano.
Apesar de santana estar hoje a trabalhar através duma valente cunha de um ex-ministro seu (até aqui ele enferma dos vícios de alguns portugueses que só arranjam empregos por via das cunhas ou por acção de amigos influentes, e não por mérito próprio) - ele revelou em toda a sua entrevista que não aprendeu nada com os seus própios erros, e quem assim faz será sempre alguém que no futuro ainda é capaz de cometer outros ainda piores...
Toda a entrevista foi uma profunda desilusão. Na linha do aqui referimos em jeito de crítica à RTP por ter agendado algo que, na realidade, não tinha interesse público em agendar-se.
Pergunto-me se a RTP não teve um interesse deliberado em gozar ainda mais com santana Lopes - na medida em que quis parasitar do homem aquilo que ele ainda poderia dar: algum capital de atenção diante a opinião pública. E isto pode medir-se perguntando quantas pessoas viram a entrevista de Santana e quantas viram o previsível Cavaco debitando toda aquela circularidade de informação que antes de ser dita adivinhava-se à légua.
Talvez tenha faltado a Santana aquele pedaço de sorte - mediado entre os dedos (como se vê na imagem) - que sobrou a sampaio para estar uma década em Belém. De um e de outro a História não irá ser branda...