Ambiguidades de conveniência - por - António Vitorino
Ambiguidades de conveniência
António Vitorino
Jurista
[in DN]
Em qualquer país, o debate sobre a repartição territorial dos recursos constitui um dos momentos mais "quentes" da vida pública. Entre nós tal não é excepção. Nos países totalmente regionalizados, caso dos Estados federais como a Alemanha ou altamente descentralizados, como a Espanha, este debate reveste-se de grande melindre pelo que envolve de equilíbrio de poderes interno e de relacionamento do próprio poder central (que actua, em princípio, como árbitro) em relação às partes constituintes do todo nacional. Mas, ao mesmo tempo, nesses Estados o processo ganha em transparência, na medida em que todas as suas partes constitutivas acabarão por ser catalogadas numa de duas categorias: ou são contribuintes líquidos ou recebedores líquidos. O financiamento regional permite, nesses casos, identificar qual o contributo de cada região ou Estado federado para a solidariedade nacional e qual o retorno por cada um deles recebido, em virtude da função distributiva cometida ao Orçamento nacional. Esta opção esteve presente de forma muito visível no recente debate sobre o Estatuto da Catalunha. Enquanto os meios de comunicação se enchiam de opiniões e afirmações sobre a natureza da Catalunha enquanto nação e suas implicações para a própria natureza do Estado espanhol, o impacto do novo Estatuto era aferido em função da redefinição do sistema de redistribuição das receitas no todo nacional, quer na perspectiva da diminuição da contribuição da Catalunha quer enquanto precedente aplicável a outras Comunidades Autónomas (designadamente o caso do País Basco). Vem isto a propósito de dois debates que decorrem entre nós em paralelo: o das Finanças Regionais e o das Finanças Locais. Se em relação ao segundo estamos perante um modelo de distribuição de verbas provenientes do Orçamento do Estado em relação ao todo no território nacional (municípios e indirectamente freguesias), já quanto ao primeiro estamos confinados à natureza de regionalização parcial, que resulta das especificidades das duas regiões autónomas portuguesas, dos Açores e da Madeira.A natureza parcelar da regionalização em Portugal retira, em certa medida, clareza e transparência ao processo, na medida em que dilui no todo continental diferenciações regionais muito relevantes e isola as regiões insulares para o bem e para o mal. Mas, mesmo tratando-se de um exercício territorialmente confinado, tal não impede que os valores da solidariedade, da posição contribuinte ou recebedora e a aferição dos critérios distributivos estejam presentes e sejam objecto de escrutínio público.O modelo que está em discussão introduz uma diferenciação positiva em relação aos Açores, resultado das suas específicas condições de desenvolvimento sócio-económico e reforça o princípio de estrito respeito pela legalidade, enquanto elemento central da coesão e da solidariedade nacionais. Nestes dois aspectos, creio, a nova lei representa maior transparência e um valor acrescentado na fundamentação da existência das próprias autonomias regionais. Esta iniciativa legislativa do Governo português, articulada com a aplicação de mecanismos legais atinentes ao desvio da Região Autónoma da Madeira quanto aos limites do endividamento consentidos pelo Estado, deu origem a uma confrontação política entre o governo regional e o Governo da República. Para além das questões de estilo muito peculiares do presidente do governo regional e do ruído de fundo logo chamado à colação do independentismo, percebe-se o mal estar das autoridades regionais. As novas regras, associadas a uma mudança das condições de acesso aos fundos europeus, fruto do patamar de rendimento alcançado pelo inegável progresso económico da Madeira, vão exigir uma mudança de lógica da governação e até de estilo, tendo em vista criar um novo ambiente económico e político para a região. É compreensível que quem viveu durante 30 anos com base no paradigma anterior e nele construiu a base do seu poder pessoal e do seu sucesso político reaja ao novo mundo que aí vem. O que já é mais difícil de aceitar (ou de compreender sequer) é a reacção do líder do PSD nacional. Com efeito, o que se pedia ao líder do maior partido da oposição era que respondesse com clareza a duas questões simples: concorda com o governo regional da Madeira em que não houve infracção ao disposto na lei sobre limites de endividamento? Admite, por razões de equidade, a diferenciação positiva postulada pela Lei das Finanças Regionais em relação aos Açores? À primeira questão o dr. Marques Mendes deu uma não-resposta, preconizando uma comissão para analisar as contas regionais! No segundo caso preferiu ceder à tentação da politiquice e subscrever a tese da "perseguição política". Ficámos, contudo, sem saber o que faria perante esta situação de facto sobre o fundo da questão, caso os portugueses lhe tivessem confiado a direcção dos destinos do País. É que não se pode aspirar à credibilidade alimentando ambiguidades de conveniência.
Nota bene: seria interessante fazer umas milhares de xerox e distribuir por via aérea na ilha de Jardim e no regresso, também pela mesma or via, sobrevoar a Lapa e deixar algumas cópias na S. Caetano. Talvez nunca seja tarde para que MMendes compreenda que a credibilidade em política é como a virgindade, uma vez perdida...
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