O relativismo moral em que caímos: o Aborto (metáfora de Portugal)
Nunca me senti à vontade para discutir a questão do aborto. Tem tanta variáveis, tantas subjectividades, motivações, razões e preconceitos que o melhor é mesmo cada um ficar com a sua e adoptar a decisão de consciência que no momento, e salvaguardadas todas as medidas de saúde e segurança, aprouver. É, portanto, uma questão problemática e de consciência de cada um. Mas também não deixa de ser uma questão eminentemente social, política que nos convoca a todos, daí a dualidade fracturante. Como não temos bases científicas para a discutir, ficamo-nos pelos custos de contextos axiológicos, morais em que vegetamos.
Não obstante a conquistas técnicas e científicas, impensáveis há poucos anos, elas trouxeram-nos progressos evidentes, de que a rede/net em que escrevemos é o paradigma global mais projectivo que nos pensar e escrever em tempo real. É, pois, esta revolução tecnológica que alterou a ordem social, embora nem sempre a tenha conduzido a uma ordem mais justa e perfeita, e aqui recaímos nos direitos humanos, e a vida é-o por essência, por maioria de razão. Daí a discussão acerca do aborto que aqui (muito indirectamente) fazemos.
Porém, esta nossa discussão não será completamente isenta na medida em que grande parte da população portuguesa vive, a montante, com muitos outros problemas que objectiva e subjectivamente não nos permitem ver o núcleo da questão. Seria como desejar ver a cabeça de um alfinenete mas tivessemos um elefante alí à frente que no-lo impedia. E porque razão é que achamos que essa discussão está (filosófica e sociológicamente) distorcida à partida?
Por um lado, os portugueses, enquanto povo de 10 milhões de pessoas, vivem esmagadoramente alienados, obsecados com três ou quatro valores que tolhem o seu discernimento. E isto não é nenhum julgamento prévio, falsamente moralista, até porque eu próprio estou nele incluído, embora faça um esforço para não ficar alienado, o que é difícil, sobretudo se atentarmos nos políticos que governam o país e os media que temos, no fundo o que somos - enquanto entidade colectiva.
Essa alienação passa pelo seguinte: o materialismo que nos assaltou e faz que cada um de nós só tenha reconhecimento social pela única razão de ganhar muito dinheiro, ter status, um carro visto (ainda que pago a leasing) e uma vivenda com piscina, daquelas que o mourinho promove nos spots Pub. que faz onde também aproveita para ganhar mais uns milhões. Não sei o que é que este gajo fará a tantos contentores de dinheiro, eu daria alguns a obra social de mérito, mas enfim...
Depois somos atazanados com um outro contra-valor muito grado às nossas pulsões: o hedonismo, i.é, viver à sombra duma nova ética, duma nova conduta, dum vazio que mata completamente qualquer ideia ou ideal ou busca dum sentido para a vida, apenas se pretende sensações prazenteiras cada vez mais excitantes, cada vez mais ocas e sem sentido.
Depois o povo português quer discutir o aborto mas é o mais permissivo que já vi, ele é capaz de destruir os ideais próprios e alheios com tanta facilidade como quem bebe um copo de água. Aliado a isto surge no esprit colectivo - até para discutir a vida - uma ética permissiva que tende a substituir uma moral e uma ética vigorosas no trabalho, na sociedade, no nosso "eu".
Deixamos andar... E assim caímos no tal relativismo, em que tudo é relativo, subjectivo, degradado, banal, enfim, aceitável. E até apetece dizer para o ilustrar: "sai mais um aborto para a mesa 4". Ora isto tanto é praticado pelas classes mais baixas da Musgueira como a gentes de Cascais, do Guincho, Guia, Oeiras ou Estoril. Todas "elas" e "eles" o fazem. Os fetos que se lixem!!! Quem pensa nos fetos, nesses nados-mortos?? E depois como avaliar ou qualificar um ente em termos de dor, sentimento se a própria Ciência falha enormemente. Faz lembrar aqueles mísseis gabados pelos generais de pacotilha em contexto de guerra que dizem que o míssil é certeiro e só destroi o alvo militar, mas depois mata uma centena de civis inocentes... Nas questões morais passa-se o mesmo. Uma desgraça.
Por fim, o consumismo que nos tolda e representa hoje a fórmula postmoderna da nossa ideia de liberdade. O aborto surge-nos assim como uma espécie de epidemia social, entalado no meio da política, nuns casos para fazer política, noutros para vender nome, e noutros ainda com preocupações genuínas. Mas é nas entranhas destas realidades que integro a questão da discussão do aborto.
Que é um problema socio-cultural grave que está minando o país e irrompe ao homem médio como um produto do seu tempo que ele, mesmo sem querer, acaba por "consumir" como se fosse mais um Martini, mais uma discussão onde não há convicções sérias, apenas um pensamento de circunstância, débil, enfeudado a esta ou aquela capelinha ou corporação, mas duma forma geral creio que os 10 milhões de tugas navegam apáticos por esse problema, embora ele seja dos mais íntimos que a condição humana possa ter.
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