quarta-feira

Desgraças na felicidade: as cheias da minha "alegria"

A má quantidade das águas conduz sempre a excessos. É como os defeitos, pode-se morrer no deserto por falta de água, e com excesso dela também podemos morrer afogados levando com um fogão dum vizinho na tola - que entretanto venha na correnteza. A Natureza tem destas prepotências sem regulação humana à vista. Foi o que sucedeu a metade do país esta madrugada: ruas, avenidas, farmácias, restaurantes, casas de passe, desconhecemos se a secretaria de Estado das Finanças também submergiu..., mas há quem diga que está para breve! Talvez depois do OGE/07. Muita casa séria submergiu. Isto leva-me a outra vivência, talvez a 1982, em que um bando de miúdos encheram-se de felicidade por gozarem antecipadamente as suas férias do Natal. Nesse "santo" ano houve cheias, e a rapaziada deixou de ter aulas devido às inundações da Escola Preparatória de Alvega.
Um edifício com três andares, creio, tinha então visitas de barco. Em frente, uma gasolineira, tinha ficado completamente submersa. As pequenas casas negócio (oficinas, comércio de electrodomésticos, farmácia e pequeno retalho em geral) foram penalisadas, muita gente humilde foi prejudicada na sua actividade económica. Mas, lá está, os putos, alheios a tudo isso, tiveram momentos de felicidade extrema: entrar pela janela dum 3º andar de barco era obra; sair também. Foi uma felicidade náutica apreciável. Muitos até pensaram estar alí a reiventar as nevagações que conduziram à gesta dos Descobrimentos, num jogo de caravelas e de navegações à bolina que depois culminaria na moderna teoria da globalização. É claro que a Protecção Civil tinha aló outra missão que não perscrutar essas heresias de putos que só queriam era divertir-se à pala das férias antecipadas. É triste dizer isto mas é verdade...
Muita dessa gente - hoje na casa dos 40 anos, nunca tinha visto tanta água e encontrou logo alí motivo para dizer que a praia veio ao campo, já que o campo nunca ía à praia. Não se transitava senão de barco. Os telefones, com aqueles velhinhos que albergavam ninhos de cegonha (ainda no tempo em que estas transportavam bebés importados de França) também deixavam de funcionar, de modo que as comunicações interrompidas deixavam nas pessoas um sentimento de maior fragilidade e insegurança, o que levava a uma maior união na desgraça. Mas os putos lá estavam, brincando, navegando, passando o ano administrativamente por causa das cheias.
Muita gente "burra" (em que me incluía) passou nesse ano. Safei-me a matemática, que ainda hoje nada me diz. Muita gente se tornou marinheiro pela bela experiência que tiveram com as cheias, e pelo gosto que lhes ficou em navegar num aquário gigante em que se transformara a escola Preparatória de Alvega, aliás, a Vila inteira, o concelho, o Distrito, creio que boa parte de Portugal. A desgraça duns representou a felicidade de outros. Isto levanta um problema económico, ou até de segurança.
Já que o problema duns representa a vantagem de outros. Sempre foi assim, sempre assim será. O problema é quando estamos todos a submergir mesmo quando não há cheias... Já para não falar nos incêndios de Verão que não dão gozo a ninguém, nem aos coelhos que não conseguem fugir, do cansaço e do suor.. E por vezes morrem que nem tordos, como os bombeiros. Nem as cegonhas, que já pouco existem, se safam...
Os "bebés por elas trazidas" também não abundam, como sabemos, e isso não se deve às cheias, mas a algo que talvez a meretriz da micro e macro-economia expliquem. Confesso que já tenho saudades dumas boas cheias. Até porque já não ando de barco há uns tempos, e não me importaria nada de voltar a (re)entrar pelas janelas do 3º andar do edificío onde estudei há quase 30 anos e onde as actividades nauticas, ao que me lembro, foram muito apreciadas. Só nãopraticámos foi ski... Não havia gasolina, lá está...
Mesmo sem motor... Tudo a remo, creio que já na altura tínhamos preocupações ambientais. Ou era isso, ou não havia dinheiro para a gasolina, além da gasolineira estar completamente submersa... A mãe-Natureza é mesmo um torpor, uma face de janus (de fogo e água) que por vezes desrespeita tudo e todos sem perguntar às pessoas se querem assim tanta água, ou sequer se sabem nadar (yo)...
Infelizmente, o passado já não regressa. Mas admito que fazer ski num sítio onde há 30 anos fazíamos remo seria um remake da história imperdível... O problema é que muita gente desaprovaria este remake... E já se está mesmo a ver porquê!? Por causa dessa meretriz que anda aí e que responde pelo de globalização... A "culpada" de tudo.