quarta-feira

O pára-quedas de Mourinho - por Vicente Jorge Silva -

Image Hosted by ImageShack.us
Vicente Jorge Silva Jornalista
Dois ícones do "Portugal de sucesso", José Mourinho e José Berardo, que ascenderam ao estrelato da publicidade bancária nas televisões, posam em dois anúncios particularmente sugestivos. Um sorridente Berardo substitui a iconografia de reis e navegadores, sentado num cadeirão dourado (dir-se-ia um trono), à beira de um promontório que se abre para a imensidão do mar. Já Mourinho, atitude super cool de James Bond, mergulha de uma avioneta, plana no espaço, abre o pára-quedas e aterra, imperturbável, sobre o terraço de uma luxuosa vivenda com piscina.Eis o imaginário de sonho que se vende ao país com as famílias mais endividadas da Europa mas onde os bancos registaram, no último exercício, um aumento de 30% dos seus lucros.
Logo por acaso, segundo notícia de anteontem, os bancos tiveram outras razões para sorrir: as Finanças acabam de perdoar-lhes os impostos devidos aos depósitos colocados em paraísos fiscais. Mas, em bom rigor, não se tratou formalmente de um "perdão", esclarece a administração fiscal. Tudo se deveu a uma distracção e uma falha da lei que apenas no próximo ano serão corrigidas. Os pára-quedas de Mourinho e da banca não estão propriamente acessíveis ao comum dos contribuintes.Para evitar equívocos, esclareço que, até por uma questão estética, não corro qualquer risco de converter-me à velha retórica neo-realista do PCP e do Bloco de Esquerda contra o grande capital.
Mas sinto-me abusado na minha candura quando me confrontam com esse abismo vertiginoso entre o mundo mítico do dinheiro - de quem o detém ou retém, como os bancos - e o mundo real dos cidadãos normais: entre o mundo dos que vendem sonhos e lucram com eles e o mundo dos que não têm outro remédio senão apertar o cinto ou endividar-se até à falência - agora que os juros do crédito à habitação não param de subir - para comprar as ilusões que Berardo, Mourinho ou outros promovem em quiméricos anúncios televisivos.
Atrevo-me a perguntar: não será, tudo isto, um bocadinho excessivo, irracional e até obsceno? Sabe-se que temos a sociedade mais desigual - ou mais dual, para soar mais fino - da Europa dos 15 (ou também dos 25?). Estamos mergulhados numa crise cujos custos obrigam a cortes de despesas em quase todas as áreas - incluindo naquelas que afectam cidadãos mais carenciados e vulneráveis - e que conduzirão inevitavelmente, nos próximos tempos, a um empobrecimento acentuado das classes médias e dos trabalhadores por conta de outrem. E, no entanto, apesar dos movimentos de contestação sindical e social que ameaçam agravar-se, criou--se no país o sentimento de que a saída da crise implica sacrifícios muito duros e um combate corajoso aos interesses instalados e aos "direitos adquiridos" das corporações.
Ora, será possível garantir a consciência cívica da necessidade dos sacrifícios quando não apenas a partilha desses sacrifícios se mostra tão manifestamente desigual como, pior do que isso, há quem se mantenha incólume às agruras da crise e não cessa, até, de acumular dividendos com ela? Que país é este onde, na última privatização da Galp, a procura excedeu cerca de vinte vezes a oferta, rendendo mais de mil milhões de euros aos cofres do Estado, mas em que a sustentabilidade das políticas sociais se mostra cada vez mais problemática? Não será a esquizofrenia nacional, que aqui referi em artigo anterior, o que se tornou definitivamente insustentável?
Há uma semana, constatei que a invejável popularidade do Executivo e do seu líder era uma reserva importante para assegurar o sucesso de algumas reformas indispensáveis, nomeadamente no que se refere à modernização do Estado. Mas também previ que 2007 seria o ano da verdade para Sócrates e o Governo socialista, se a política de rigor das contas públicas não rendesse os resultados esperados.
Afinal, corre-se o risco de uma antecipação dramática do momento da verdade se o Governo se precipitar no desnorte que exibiu nos últimos dias, num incrível rodopio de comportamentos erráticos e em que o primeiro-ministro parece ter perdido as rédeas do comando. Haverá um piloto no avião - e haverá pára-quedas que cheguem para evitar uma queda desamparada no abismo das ilusões? O que talvez explique, afinal, esta semana horribilis de Sócrates é uma questão que tem sido iludida com o voluntarismo e o pragmatismo reformistas do Executivo.
Começa a emergir a falta de substância doutrinária, de um corpo de valores e princípios que inspirem, coerentemente, a acção de um Governo que, apesar de tudo, se diz socialista. Ou será que apenas nos restam o trono dourado de Berardo e o pára- -quedas virtual de Mourinho, vendendo miragens fatais às famílias mais endividadas da Europa?

Image Hosted by ImageShack.us

Notas de lana-caprina

Mais um excelente e oportuno artigo de Vicente J. Silva que já tem assento no Macro. Era uma reflexão que gostaria de ter feito, como não fiz subscrevo aqui na íntegra. Apenas acrescento umas notas de lana-caprina. Pois quer Joe (o homem que hoje colonizou o CCB com a sua colecção de Arte e que até parece mandar já no nº de vezes que os pombinhos defecam nos telhados do Mosteiro dos Jerónimos) quer Mourinho - por quem nunca tive a mais leve simpatia, podiam dispensar um dos seus contentores de dinheiro por mês para fazer alguma obra social.
Num caso como noutro já não viverão o suficiente para gastar todo o dinheiro que ganharam, e se fizessem alguma obra social a sério talvez a sociedade mais letrada - i. é., aquela que não pensa com o pé na bola nem com uma ligação directa do testículo ao neurónio, fizesse deles ideia diferente. Até que isso suceda, não mudarei de ideias acerca de ambos: num caso denotando um certo pirosismo narcisista (a roçar o boçal) de se fazer filmar no Cabo da Roca sentado num cadeirão real, sendo que a única coisa alí digna de registo é a paisagem e a música; no caso de Mourinho - sugerimos mais comedimento, pois parece um adolescente com acne em permanentes espasmos orgásmicos. Já me lembrei que pode estar viciado em Ice...
E quando começa a falar inglês com todo aquele vocabulário, lembro-me logo de Mário Soares verberando o francês. Só falta alguém acompanhar ao piano... Mas quer num caso, quer noutro houve alí muito pouca ciência e uma tremenda sorte. Uma "ganda vaca", como se dizia no tempo em que jogava ao bilas... Mas o que mais me incomoda nem é o potencial financeiro que ambos representam, o que me entristece é que a nação parola consiga ver neles o simbolo duma portugalidade que representa não sei bem o quê. Talvez a alienação, agravada com o dinheiro, com a especulação, com as negociatas da arte - disfarçadas de cultura e com mais umas merdas que fazem deste Portugal um carapau de corrida sentado nas margens do Cabo da Roca com 90% de Portugal alienado.
Repito: no caso Joe - alí só importa duas coisas: a paisagem e a música - que saem danificadas daquele desencontro; no caso de Mourinho registam-se as vitórias e alguma garra oleada por uma sorte incrível que ele mistura com ciência de balneário e alguma magia negra. Lérias... Mas quando um país se apoia nestes dois tipos de identidades (altamente redutoras/bola e diamantes) para se valorizar uma nação, só posso jogar as mãos à cabeça e voltar a perguntar: onde fica o exílio... Se calhar no Cabo da Roca!!!
  • Pedimos desculpa por ter utilizado a palavra "merdas", nunca esteve na nossa intenção diminuir a fauna do Cabo da Roca nem a música que enquadra aquele filme versão Asa delta colado à rocha e de perna traçada à boa maneira sancha. Porra!!! - que me desculpem aqui os me lêem - mas preferia mil vezes um "arroto" do António Silva ou uma "bufa" do Vasco Santana. Eram mais pobres, mas mais ricos intelectual e culturalmente. Mande-se cópia aos visados com um cartão onde segue incluso nº de conta bancária para se depositar um contentor de euros que criaria uma Fundação visando a recuperação dos mais desprotegidos na sociedade portuguesa. Podendo começar-se logo por aqueles alienados da bola e terminar naqueles que julgam que percebem d' arte, mas o que na realidade são é negociadores de cavalos de Alter-do-Chão... Isso sabe-se quando abrem a boca. É só milhões...de baboseiras.